Eu tinha que escrever essa crônica, fosse por uma vontade de perpetuar minha passagem pela FLIP 2007, fosse pela demanda da oficina de crônica, fosse apenas por regozijo mental ou até mesmo por puro diletantismo – que me desculpem os leitores, sei que boa parte terá que parar sua leitura e ir ao dicionário saber o que significa esse vocábulo e caso eu trabalhasse num jornal de grande circulação isso seria motivo de admoestação pelo respectivo editor, voltemos, o ponto de partida não podia ser melhor, falar sobre possíveis lugares por onde Nelson Rodrigues passaria em Paraty (ou mesmo passou, quem sabe) já que foi o grande homenageado da quinta edição dessa festa que não pára de crescer. O estranho é que por mais que o tema fosse bom, a aura do lugar magnífica e a vontade de fazê-la ser imensa eu não consegui passar da primeira linha nos primeiros dias. Talvez tenha me acanhado após ler algumas pérolas da antologia As cem melhores crônicas brasileiras e ainda havia um outro ingrediente: o prazo. Segundo os mestres Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapieve esse tempero foi o responsável por boa parte de nossas melhores crônicas. E foi assim, o tempo passando, o bendito prazo acabando, acaba hoje por sinal, e eu olhando para o papel em branco com receio de escrever uma crônica ruim. Resolvi criar coragem, o pouco tempo de que disponho para terminá-la tornou-se por fim grande amiga. Coloquei músicas da Orquestra Imperial no
Windows Media Player para assim reviver Paraty. Moreno entrou cantando Sem compromisso e eu lembrei que ali estava sob a Tenda da Matriz mui bem acompanhado. Depois do show uma taça de Casillero del Diablo e um tranqüilo sono. A caminhada até a Pousada do Ouro na manhã seguinte tinha um quê de em busca do El Dorado das crônicas, afinal de contas apesar de concordar com Joaquim de que “crônica não se aprende na escola”, o simples fato de ter acesso aos bambas já faria sentido e muito. Chegada tímida, não vi yanomamis, fui bem recebido pela Roseli no credenciamento e em seguida por Dapieve. Após o primeiro dia de aula comi uma moqueca de peixe que não tinha pirão, substituíram o dito cujo por uma farofa de camarão que por sinal estava gostosa. Do restaurante segui para a mesa 4, com os autores Will Self e Jim Dodge, este último é responsável pela criação de uma pata obesa e eu fiquei pensando se a Fup se daria bem com o cachorro atropelado de Nelson. Depois das diatribes (aqui outra admoestação, com certeza) de Will e da promessa de jantar romântico entre ele e o Dapieve, que mediava a mesa, saí de lá tentando encontrar Nelson Rodrigues e com medo de morrer no banheiro por conta dos sabonetes assassinos. Andando pelas ruas de pedras seculares me senti como um cãozinho de Pavlov desorientado, pois ouvia sinos vindo de todos os lados, salivava e nada. O papa é pop, a FLIP também. Andar entre semi-deuses não é fácil, pois ali todos parecem sê-los (outra?). São muitas pessoas portando crachás das mais diversas cores e desfilando uma gravidade típica de intelectual importante, menos os de crachás amarelos e camisas vermelhas. Não vi Nelson muito menos Otto Lara Resende quando entrei no Bar do Che, a festiva ainda não tinha dado as caras, era cedo e constatei ao comprar uma cerveja
long neck de que socialismo no dos outros é refresco, a garrafinha me saiu por três reais e cinqüenta centavos “hei de endurecer” pensei, mas segui na paz com a garganta saciada pela loirinha. No segundo dia de aula aprendi que é preciso sair do lugar comum, não repetir assuntos pra lá de batido nos jornais e de que é preciso ter uma boa condução da crônica, sempre associando idéias, infelizmente saí da aula ainda sem nenhuma sobre o que escrever e mais ainda se continuaria minha busca pelo Anjo Pornográfico. A mesa 9 me deixou mais calmo, talvez eu estivesse, como disse Lehane, num estado de coma em relação à escrita. Mas não me conformava e saí decidido a encontrar Nelson e lhe pedir, por favor, uma crônica. Frustração. Nem a cabra vadia eu consegui ver, a mesma se sentiu mal e foi embora no segundo dia de festa. Terceiro e ultimo dia de oficina, sábado de sol, tomei um sorvete de goiaba e fui para a aula com a mente tomada pela manifestação de um grupo de moradores que cobrava luz da Ampla. Belos contrastes, a cobertura da Ampla não condiz com o nome da empresa e mesmo tendo tantos iluminados na quinta edição da festa vemos que essa luz realmente é para poucos. Faltou apenas cantarem Chico no protesto para transformá-lo em mais uma performance artística dentre as muitas que foram vistas pelas ruas de Paraty. Neste dia ensolarado aprendi que é importante ser subjetivo, informal. Não posso me distanciar do leitor, é preciso pega-lo de cara, sem muitos preâmbulos. Ficou combinado que o prazo para entrega das crônicas seria hoje, uma quarta-feira e cá estou a escrever. Depois fotos coletivas, troca de e-mails e a promessa de contato da turma via internet. Não encontrei quem tanto procurei, mas no final das contas creio que procurava era por mim mesmo e me encontrei logo após O beijo no asfalto. Voltei ao Rio de Janeiro com a benção dos mestres. Deixe-me ir, preciso andar.
André Salviano
Um comentário:
André, crônica muito boa, usou bem o que foi dito na oficina, escrever, nem que seja sobre a busca da idéa genial ou a falta do assunto arrebatador. Acabou por criar um texto muito saboroso de ser lido. adorei esta frase "Não vi Nelson muito menos Otto Lara Resende quando entrei no Bar do Che, a festiva ainda não tinha dado as caras, era cedo e constatei ao comprar uma cerveja long neck de que socialismo no dos outros é refresco, a garrafinha me saiu por três reais e cinqüenta centavos “hei de endurecer” pensei, mas segui na paz com a garganta saciada pela loirinha."
Eu que andei pelo Che, procurei a mesma coisa. Acabei mesmo foi fumando aquele "pipe" árabe com um sabor terrível de morango, falando e rindo pelos cotovelos.
Bjs, Simone
Postar um comentário