segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Café com leite, pão com manteiga e bom humor

Chego ao balcão da padaria e espero menos que 10 segundos. A atendente, lavando copos, me abre um sorriso do tamanhão do rosto dela: “Boa tarde, pode falar!” Já surpresa diante de tanta simpatia, peço um café pingado e um pão com manteiga. Tenho poucos minutos para driblar o apetite enquanto espero o horário da minha consulta no prédio ao lado. A padaria está cheia, como sempre. Ainda mais numa tarde fria, perfeita para um café bem quentinho e um pão fresco. E as meninas, as atendentes, numa felicidade que nunca presenciei.

Freqüentei essa mesma padaria um tempo atrás, quando trabalhava perto. Só tomava meu café ali porque o pão era (e ainda é) muito gostoso e eu estava sempre atrasada, portanto, era mais prático. Com o meu bom humor de sempre, chegava, dava aquele sonoro bom dia e o que eu recebia em troca era um olhar fulminante da balconista. Todos os dias. Em silêncio ela arrumava meu pão com manteiga, meu café com leite, colocava-os em cima do balcão e virava as costas. Ao sair, sempre me despedia e até hoje não sei se ela fingia que não escutava.

Em quase todos esses lugares é mais ou menos a mesma situação. Pessoas mal humoradas, tristes, mal pagas, mal tratadas pelos patrões, desrespeitadas de várias formas, acabam revelando suas dores e amarguras por meio de suas expressões (ou falta delas). Já vi das piores caras em diversos tipos de estabelecimentos, de supermercado a sorveteria, de manicure a floricultura, de loja de tintas a botequins, de clínicas médicas a restaurantes.

E eis que depois de muito tempo volto àquela mesma padaria e encontro um ambiente totalmente anormal, se comparado ao mau humor comum que reina no comércio e na prestação de serviços (salvo raríssimas exceções). Três balconistas sorridentes, conversando, cantando, brincando entre si e com os clientes, tratando as pessoas pelos nomes. Eu e uma mulher ao meu lado nos olhamos, sem acreditar no que víamos. “Nossa, gente, quanta felicidade nesse lugar”, ela disse. E lá de dentro veio esta: “É assim mesmo, trabalhamos sempre assim. Olha lá no caixa. A outra fica reclamando da gente, mas ela queria mesmo é estar aqui, rindo e cantando também, mas não pode”, brincou a balconista.

Saí da padaria rumo ao consultório médico tentando imaginar como seria a vida de cada uma daquelas mulheres. Com certeza, não muito diferente da vida de todas as outras e outros que são empregados neste tipo de estabelecimento. Madrugam para trabalhar, ajudam a família no sustento da casa, ou sustentam filhos sozinhos, fazem jornada tripla, ou quádrupla, ganham um salário daqueles que a gente praticamente paga pra trabalhar. Enfim, têm problemas como todo mundo e, por isso, teriam o direito a viver de cara feia, como todo mundo. Mas não. Fazem justamente o contrário e nem sei se têm consciência de que desta forma realmente conseguem tornar seus dias melhores. Só sei que conseguem.

Na verdade, naquele dia eu estava com um problemão na cabeça e foi extremamente reconfortante tomar aquele café com tanta alegria a minha volta. É isso aí. Nunca sabemos se quem está por perto precisa de uma palavra de carinho, apoio, sei lá. E ao sentir toda aquela energia positiva, concluí que nem tudo está perdido, mesmo. Seja qual for o motivo que possa me deixar de ‘bico’, a melhor solução, sempre, é encarar a vida com bom humor, já que cara feia não traz solução pra nada.
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quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Beija-Vida

Acordo de manhã, abro a janela e ela está lá, no fio. Não fica muitos metros longe. Está sempre de olho, vigiando. Vai até a árvore em frente, se alimenta do néctar da flor de pata-de-vaca, e volta. Estou falando e uma zelosa mãe, moradora temporária do meu Ipê, na porta da minha casa: uma beija-flor que cuidadosamente construiu seu ninho para procriar ali, diante dos meus olhos. Os filhotes, nascidos na terceira semana de agosto foram uma agradável surpresa nestes dias secos, áridos.

Minha árvore ainda é jovem. Um Ipê de apenas seis anos, pouco mais de três metros de altura. Sua floração, na primavera, ainda é frágil, mas suas poucas flores brancas já nos dão uma rápida demonstração do que ela será capaz de produzir daqui a alguns anos. Sou apaixonada pelo meu Ipê, cuja muda ganhei de um grande amigo. Por isso observo-o com freqüência. Suas folhas, seus galhos, seu crescimento. E foi num desses momentos de observação que descobri algo novo, estranho, perfeitamente encaixado entre três galhos. Achei aquilo esquisito, porém não imaginei que pudesse ser um ninho, não ali, naquela posição, tão desprotegido.

Dias depois lá estava ela, a mãe beija-flor, sentadinha, chocando. E eu, chocada com aquela visão. Um ninho bem pequeno, com um pássaro delicado aguardando a chegada dos seus filhotes. Beija-flores são visitantes muito comuns na minha casa. São atraídos pelas minhas plantas, sempre em floração, mas como são aves muito ariscas, é raro ver um ninho e mais raro ainda é poder acompanhar sua reprodução. E por conta dessa grata surpresa, claro, fui pesquisar para saber um pouco mais sobre isso.

Menor pássaro do mundo, o beija-flor é muito independente. É a fêmea a única responsável por sua cria. Constrói o ninho, choca os ovos e protege os filhotes. Apesar de pequeno e de parecer frágil, o abrigo é muito seguro; resiste ao vento, às chuvas e ao crescimento dos filhotes. Normalmente é construído com grama, folhas, flores, pétalas e musgo, e fixado com o fio viscoso da teia de aranha, que o deixa bem firme. Geralmente, os beija-flores botam apenas dois ovos. Seus ninhos não comportam mais, e a fêmea não consegue alimentar mais que dois filhotes.
Esse ser aparentemente frágil é capaz de se adaptar a qualquer ambiente e não exige muito para sobreviver: constrói seu ninho na cidade, em qualquer tipo de árvore, não tem medo de gente nem de ruídos, e precisa de flores para se alimentar. Simples assim.

Tão simples quanto a decisão de derrubar uma árvore, seja qual for o motivo, sem pensar no quanto de vida se interrompe com atitude tão drástica. O crescimento acelerado da população e a destruição de muitas espécies de plantas nativas constituem um grave problema para os beija-flores, por faltar-lhes locais apropriados para construir seus ninhos ou para encontrar alimento adequado. Li sobre uma fêmea que ergueu seu ninho em cima de um bocal de lâmpada, na sala de uma casa. Os moradores quebraram o vidro da janela para que a beija-flor saísse e voltasse à vontade.

Aqui na minha casa tive o cuidado de manter a reprodução da beija-flor em silêncio. Até mesmo a curiosidade pode prejudicar a procriação. Adultos e crianças gostam de chegar perto, falar alto, tocar, remexer. Observo sempre que posso, porém de longe, só para ver como vai o desenvolvimento dos filhotes. Segundo minha pesquisa, com duas semanas de idade, a maioria dos beija-flores já tem olhos brilhantes e atentos, e o corpo coberto de penas. Às vezes, se levantam no ninho e batem as asas. Com três ou quatro semanas, o pequeno pássaro já está pronto para deixar o ninho e começa a dominar o vôo com rapidez e facilidade.

Para eles um momento feliz, quando se sentem seguros e podem ganhar a liberdade. Para nós, com os pés plantados no chão, fica aquele sentimento de frio na barriga ao ver filho indo embora. A gente se acostuma e chega até a dizer “meus filhotinhos”. Mas não. São filhos da natureza, que apenas encontraram na minha árvore um local ideal para se reproduzir. Cabe-me respeitar, favorecer, preservar, não derrubar, silenciar, admirar. E desejar que eles voltem outras vezes. Faz bem para a minha saúde e para a energia da minha casa.
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