sábado, 4 de agosto de 2007

RUMO DAS PEDRAS

Giovana Damaceno

Depois de baixada a poeira já consigo mobilizar a memória e organizar minhas idéias para escrever. Durante mais de 30 dias vivi um êxtase, misturado ao temor do novo, do desconhecido, temperado com uma dose de felicidade completa. Fui selecionada para participar da Oficina Literária de Crônicas da FLIP 2007, em Paraty. A partir do dia em que recebi a notícia fiquei como em sonho, até poucos dias – confesso que ainda estou despertando. Afinal, foram centenas de inscrições de todos os cantos do país e também de fora, para selecionar 30, e lá estava eu, uma jornalista do interior do Estado do Rio, entre os escolhidos. Para completar, quatro dias em Paraty seriam realmente um sonho.

Parti para o litoral no primeiro dia da Festa. Cheguei a tempo de assistir ao show de abertura, na Tenda da Matriz, um espetáculo chamado Orquestra Imperial. Só mesmo em Paraty, em plena FLIP, é possível assistir a algo assim, com tamanha qualidade. Músicas, músicos, cantores e cantoras, num show pra lá de popular, feito para quem tem ouvidos sensíveis. Para ficar ainda melhor, uma participação especial de João Donato. Minha presença na FLIP começou a ficar inesquecível a partir dali.

No dia seguinte, ah..! amanhecer em Paraty... quantas vezes me lembro dessa sensação quando acordo em casa. Nem sempre é possível despertar nessa paz, com uma perspectiva de vida nova. Banho rápido, roupa leve, mochila nas costas e chinelo no pé. Em poucos minutos estava à frente da Tenda dos Autores para conferir o primeiro dia de movimento das mesas da FLIP. Me senti em casa, completamente confortável naquele ambiente. Foi minha estréia na Festa como participante, não como das outras vezes, jornalista, com pauta a cumprir e horário de fechamento de edição.

Enchi o peito e fiquei importante por isso. E assim cheguei à Pousado do Ouro para a Oficina. Deste momento em diante tive certeza de que algo estava mudado na minha vida. Na crônica de uma amiga da turma, quando fala de Paraty, há uma frase interessante, que retrata bem esse momento: “Passear por suas ruas é dar uma volta com quem você foi e vislumbrar um pouco quem você vai ser”. Isso parece comigo – valeu, Bia – não pelo caminhar nas pedras, mas o passeio pela literatura, uma proximidade que já buscava há anos e mal conseguia chegar perto, por motivos vários e inconfessáveis.

Enfim, estava lá, diante de Joaquim e Artur - assim mesmo, sem sobrenome de jornalista famoso - admirados desde que me tornei colega de profissão, à distância e anônima. Estava dentro de uma sala de aula, com dois grandes mestres e mais um grupo de pessoas que, cada um na sua história, vivia mais ou menos o mesmo que eu. Enfim, a tão desejada interlocução.

Viajamos juntos pelo universo brasileiríssimo da crônica, aprendendo técnica que não tem técnica, tentando definir o que não tem definição. Nossa liberdade estava sendo discutida em alto nível, com a doçura de Joaquim e a altivez de Arthur. Tudo isso sob as bênçãos da Flor de Obsessão, chamado Nelson Rodrigues, homenageado da festa e na oficina, um patrono. Entre cabras, grã-finas e moralismo, vivemos três dias intensos, que poderiam ter sido 30, ou 300.

Depois de flanar pela história da crônica, começando por Alencar, Machado, passando por João do Rio, Vinícius, Oswald , Antônio Maria, Chico, e tanta gente muito boa, cheguei a mim mesma, renovada, renascida pelas páginas da literatura. Muita coisa já havia ficado pra trás, quando escolhi o que faria parte da bagagem. E outras tantas deixei em Paraty, deixei cair pelas ruas, pelas pedras, no frio da noite.

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