terça-feira, 29 de janeiro de 2008

"São as convenções de uma sociedade hipócrita"

Quando era criança, minha mãe me ensinou que, por educação, devemos oferecer o que estamos comendo a quem está por perto. Esta é uma daquelas antigas lições de bom comportamento, que faziam nossos pais se incharem de orgulho de nós, filhos muito bem educados: Quando for a casa dos outros, não aceite nada. Se aceitar, não repita. Quando acabar os parabéns, não avance na mesa de doces. Não coma bolo duas vezes. Ofereça o biscoito, meu amor. Tá no finalzinho, quer um pedaço?

Uma amiga do trabalho chama a isso de “convenções de uma sociedade hipócrita”. Ela mesma passou por uma situação extremamente desagradável na infância, em conseqüência do excesso de educação de sua mãe. “Ofereça o picolé, minha filha!” E ela, obediente, e muito educada, estendeu o picolé recém aberto à amiga da mãe que, nada educada, além de aceitar ainda o lambeu por todos os lados. Minha amiga, claro, não aceitou o picolé de volta. Deixou-o e comprou outro.

Venhamos e convenhamos. Nem tudo o que se come se oferece. Como fazer isso com fruta, chocolate, sorvete, salgadinho, picolé, o último ou único biscoito do pacote, qualquer bebida que se bebe em copo ou diretamente na garrafa ou latinha? Sinceramente, não dá. Em alguns casos chega a ser uma maldade. Lembro que quando estava grávida, uma colega me mostrou um pacotinho de papel, me oferecendo cocada. Eu adooooro cocada! Peguei o saquinho, ávida, e quando olhei dentro só havia uma, pequenininha, lá no fundo. Porquê ela ofereceu? Confesso que nesses casos não ofereço. Prefiro ser chamada de mal educada.

Aliás, educação comportamental é algo bastante discutível. Mamãe e papai nos passam esses ensinamentos que quando adultos descobrimos não servirem para muita coisa. Por outro lado, há algumas orientações básicas, que deveriam ser dadas em casa, desde muito cedo e, pelo que vejo por aí, não é bem assim que acontece. Ou então a maioria das pessoas desobedece pai e mãe. O que dizer, por exemplo, de um cartaz num banheiro feminino onde se lê: “Favor não jogar papel no chão.”? Aprendi em casa, muitos anos atrás (nem tantos) que não se joga papel no chão, em nenhum lugar. Sinceramente (de novo) não consigo conceber tal solicitação. É muito lógico que não se jogue papel em outro local senão o cesto de lixo. Portanto, é no mínimo vergonhoso que se necessite de um cartaz pedindo para mulheres adultas, que freqüentaram escola, que vivem em área urbana não dispensarem seus papéis higiênicos usados no piso do banheiro.

Parece chocante dito assim, mas é a mais pura realidade. Quem já não viu um cartazinho desses em banheiro de restaurante, de bar e até mesmo de faculdade? Pior é quando há uma lista de solicitações, tipo: não jogue absorvente dentro do vaso sanitário, dê descarga após o uso, feche a torneira, apague a luz ao sair, mantenha esse local limpo. Sinto vergonha alheia quando vejo, só de pensar que alguém que não respeite regrinhas básicas de educação. Fico paralisada em imaginar uma mulher dispensando um absorvente dentro do vaso; pior ainda é imaginar a servente que vai recolhê-lo depois. Uma desconsideração com o semelhante.

Daí vamos direto para a mídia, que todo dia despeja na cara da gente o aquecimento global, as necessidades urgentes de fazer alguma coisa pelo planeta, que cada um deve fazer a sua parte, dicas para você mudar seus hábitos no dia-a-dia. Diariamente os Bonners, Fátimas, Sandras, Nascimentos, Mônicas, PHs e outros tantos denunciam o alto percentual de desmatamento na Amazônia, os índices alarmantes de poluição em países como Estados Unidos e Índia, a água que está acabando. Como é que esse tipo de informação entra na cabeça de alguém que, naturalmente, joga seu papel higiênico usado no chão? Que fuma dentro do banheiro?

Dia desses, na escola do meu filho, um garoto de cerca de dez anos saiu da cantina com uma bala na mão. Foi caminhando em direção à quadra de esportes, ao mesmo tempo em que a desembrulhava. Tirou-a, meteu-a na boca e atirou o papel para cima, deixando-o cair devagar. Ficou olhando a cena até o papel repousar no chão, virou as costas e seguiu em frente. Fiquei curiosa em saber se a mãe daquele menino o obriga a oferecer o que está comendo.
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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

cabaré

Pensando em cabaret botou sapatos de tira pelo peito do pe e saia levemente rodada na ponta. Porque deveria rodar, rodar, rodar, rodar, rodar ate que cambaleante pudesse voltar. Rodar é um meio de trazer a consciência possível entre outros efeitos do salão – torcer um pé, arrumar um par sem valsa, ficar na cadeira, se entorpecer da luz. Trazendo aos poucos o rebolado pra festa que, dormiu um tempo, mas sempre esteve ali, caldalosa ocupando um certo reguinho do peito que a qualquer nota menos estridente romperia da mais pura alegria. Moça de baile dá no pé antes, garantindo o gosto de confete fresco no travesseiro.

O Rio Tá Bombando, Meu Brother!

De Simone Silveira Kaplan

Mais uma viagem ao Brasil e me dou conta o quanto o carioca é inventivo no que diz respeito à linguagem. A gíria está no ar, a gente respira sem opção e logo, bumba! Lá vem ela, toda cheia de graça.

“Vai bombar, Simone. O Ano Novo vai bombar,” meu querido companheiro literário Bruno Vaks afirma entusiasmado, entre uma garfada do cabrito bem assado no Nova Capela, restaurante cheio charme no coração da Lapa, e uma golada no chope estupidamente gelado.

Eu por outro lado, entre tantas gírias passageiras que tento aprender às pressas para não ficar demode, Desta vez assumi a cafonice. Já aderi ao “ninguém merece”, ao “tá de brincadeira”, mas ao “bombar…” Sei não, soa à violência.

Noite seguinte, resolvo ir balançar o esqueleto lá no Carioca da Gema, outro “point” legal da Lapa. Um amigo, possivelmente entediado, sugere a Quadra de Samba da Mangueira. “Uma e trinta da manhã, Já deve está bombando por lá, está afim?” diz ele. Claramente não estava pois não movi um dedo em direção à Estação Primeira. Além do mais, a cantora do Carioca começava os primeiros acordes de “Roda Viva,” do Chico Buarque. Arrastei a saia, gritei o hino e até me dei conta, espremida entre tantos corpos suados que a música fizera meus pêlos se arrepiarem. “Ô coisa boa,” pensei, “ainda sou brasileira da gema. Daqui ninguém me tira!”, declarei triunfante.


(Rio ignorado pelas autoridades máximas do Brasil. Rio vomitando violência que já não habita só as favelas com suas ruas nuas, população sem lenço e sem documento. O sol é tão bonito e ainda se reparte em crimes já banalizados pela ocorrência cotidiana, agora no morro e fora dele. O Rio é um só, o povo também. Quando a violência vira moda, é hora de parar e se perguntar— Que país é este? E agir.)


sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

e no meio dos desvãos das possibilidades

aconteceu de novo, amor. eu vinha aflita, elétrica, aos prantos, o mundo girando aqui dentro num desenfreado absurdo. eu só pensava na chuva que não cai e por isso não encharca minha pele. o sol indo embora na avenida que divide os perímetros duma cidade e no meio dos desvãos das possibilidades eu sou apenas mais um corpo estendido ao solo.
as cilindradas da moto alcançam a absurda velocidade de frear meus pensamentos. acertada em cheio na perna e na pele, os fragmentos estilhaçados da pseudo-construção de um ser-alicerce: tudo ao chão.
estancou a moto, disparou o sangue. o arroxeado na perna direita, as mãos em carne-viva e a menina de água-viva deixa-se ferir por nada.
levanta do solo, pés andantes na flutuação estelar. uma hora cicatriza, eu sei. respiro fundo e caminho outro passo. ainda preciso atravessar a avenida e te encontrar, amor.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O ano do Sim

Não gosto de barulho. Nem de ruídos incômodos. Amigos mais próximos chamam a isso de idade avançada. Pode ser, mas há tipos de sons que sinceramente me fazem mal. Buzina nervosa e insistente; televisão alta na casa do vizinho de madrugada; funk e pagode em qualquer situação; água pingando; choro de criança fazendo pirraça; conversa em ônibus; telefone que toca quando estou trabalhando. Argh! Tudo isso me tira do sério.

E diante de tanta coisa desagradável que se ouve no dia-a-dia, enfim a salvação. Meus ouvidos se sentiram plenos de felicidade ao conhecer o CD Sim, de Vanessa da Mata. Sim, simplesmente irreparável. 2007 pra mim foi embalado por essa voz melódica, suave, delicada, porém vibrante, num disco que marcou definitivamente a carreira dessa mato-grossense que aos 15 anos já cantava em bares de Uberlândia, em Minas Gerais.

Conheci no início do ano a música “Boa Sorte/Good Luck” – num vídeo clip exibido pelo Fantástico. Nela, Vanessa canta com Ben Harper o fim de uma relação regada a expectativas desleais. Admiradora de Vanessa desde o primeiro CD, lançado em 2002, curti muito o samba “Não me deixe só”, que virou hit nas pistas de dança, após uma remixagem de Ramilson Maia. Não esperava menos.

Vanessa da Mata chegou ao topo devagar, mas sem rodeios. Disse logo a que veio quando conheceu Chico César, em 1997, e com ele compôs “A força que nunca seca”, sucesso na voz de Maria Bethânia. Depois disso, teve várias outras composições gravadas, até estar pronta para encarar a carreira solo. Ainda bem que não demorou. Fazem muito bem aos ouvidos e para a cultura brasileira essas descobertas de talentos tão raros em tempos de música comercial, fabricada para fazer muito barulho e rebolar bundas país afora.

Sim é uma produção super madura. Assinado por Mário Caldato e Kassin, foi gravado entre a Jamaica e o Brasil. Das 13 faixas, cinco tem a participação de Sly & Robbie, dois ícones da música jamaicana. Além de Ben Harper na faixa “Boa sorte”, conta também com as participações ilustres de João Donato, Wilson das Neves, Don Chacal e uma turma de gente jovem muito boa, como o baterista Pupillo (Nação Zumbi) e os guitarristas Fernando Catatau (Cidadão Instigado), Pedro Sá e Davi Moraes.

Enquanto escrevo ouço a faixa “Meu Deus”. Não é por nada, mas penso que somente uma mulher conseguiria compor algo com esse sentido. Um homem bonito assim/O que quer de mim/O que ele fará comigo/(...)/Meu Deus!/ Ave Maria!/ Se ele não é um dos seus/Ninguém mais seria. Só ouvindo, de preferência sozinha e com o volume bem alto, é possível sentir nota a nota, verso a verso, o que diz a alma feminina.

Já “Você vai me destruir” lembra os bolerões eternizados por Ângela Maria. Aqueles que cantam histórias de amor mal acabadas e muito, muito sofridas. Está acabando o amor/Você ainda não veio/Não disse não ligou/Se vem viver comigo/(...)/Você vai me destruir/Como uma faca cortando as etapas/Furando ao redor/Me indignando me enchendo de tédio/Roubando meu ar/Me deixa só e depois não consegue/Não me satisfaz. Os que consideram o estilo Ângela brega, taí a Vanessa cantando a mesma dor de cotovelo, com uma roupagem moderníssima.

Mas os versos mais marcantes de todas as composições de Vanessa nesse CD, pra mim, foi Tudo o que quer de mim/Irreais expectativas desleais. O que na música trata-se do fim de uma relação, no meu dia-a-dia e no de muita gente pode ser coisa pra lá de comum. É só pensar um pouquinho e a gente percebe um monte de conviventes cheios de expectativas desleais a nossa volta. Pensa aí. É da vida, é rotineiro, e ninguém nunca cantou, não como Vanessa da Mata.

Enfim, corre 2008 e estou aqui falando do já longínquo 2007. Sabe porquê? Esperança de que nos próximos 12 meses muitas outras Vanessas sejam descobertas nesse cenário enorme, nesse Brasil cheio de talentos sufocados ou escondidos pela música fabricada apenas para vender barulho em mega shows mega produzidos. Vanessa, Sim, faz bem aos ouvidos. Simplesmente.
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segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Descacetamento de cabeça

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Não entendeu? Pois é isso mesmo. Descacetamento. Não está no Aurélio e nem em qualquer outro dicionário, por enquanto. A expressão já existe e tem sido largamente utilizada por ... uma pessoa. Mais precisamente uma professora. Agora você deve estar achando tudo isso ainda mais esquisito.

Tentando falar sério, ouvi essa expressão poucos dias atrás e desde então decidi que escreveria a respeito. Na primeira vez ri muito, principalmente porque a única pessoa que usa essa expressão é meio assim... descacetada da cabeça. Logo em seguida começaram a me chegar na lembrança dezenas de pessoas que conheço e que têm a cabeça descacetada e achei que isso poderia nem ser tão engraçado.

Descobri que um conhecido mata filhotes de gatos a pauladas; gente que ainda continua vendendo a alma ao diabo para se dar bem na vida; mulheres que freqüentam o banheiro da empresa e não se dão ao trabalho de trocar o rolo de papel higiênico; vereador eleito com o voto do povo e que vai trabalhar fora da cidade; gente que ainda joga lixo em rio; vizinho que toma conta da vida do outro; casamento em igreja e com festa em grande estilo, só para dar satisfação aos amigos e parentes; o ex-marido de uma amiga vai se casar pela quinta vez (minha amiga foi a quarta).

Também passaram por mim pessoas que nos dias de hoje ainda acreditam que aparecer é tudo na vida, aparecem demais, se tornam chatas, delicadas e educadas de menos e, portanto, indesejadas. Aparecem sempre nas fotos ao lado de celebridades, conhecem todos os famosos e até mentem para garantir essas 'amizades', estão em todos os eventos da alta sociedade (minha cidade tem isso?). Também houve as que eu consideraria realmente descacetadas da cabeça ou piradas, triloucas. Falam e depois dizem que não falaram; fazem e em seguida juram de pés juntos que não fizeram. Prometem e logo sofrem uma amnésia repentina.

E do jeito que as coisas andaram corridas pra mim nos últimos dias do ano, acabei por me incluir entre elas. Andei, sim, e ainda ando descacetada da cabeça. Me atolei em atividades, mesmo sabendo que não ia dar conta, mas preferi arriscar. Resultado: cheguei ao final do ano com problemas na coluna, uma sinusite aguda em pleno início de verão e até um pico de pressão alta me pegou de surpresa. Se tanta costura, como costumam dizer, já me deixariam naturalmente descacetada da cabeça, imagine com esse monte de doença sintomatizada junta. Cruz credo! Isso descaceta a cabeça de qualquer indivíduo física e mentalmente são.

Cheguei ao fim de dezembro com aquela sensação comum a todo ser humano: querendo que o ano terminasse logo para renovar as energias e as esperanças. Parece piegas? É, parece, mas é assim que todo mundo se sente. Cansado. Do trabalho, da faculdade, dos amigos, dos pouco afetos, dos maridos, das esposas, do chefe, da mãe, do vizinho, do carro velho, dos (des)governos, da falta de grana que está ali, doendo no bolso, ano após ano. “Espero que mude no ano que vem”, torcemos, num processo natural de auto-motivação para fugir do descacetamento de cabeça que nos acomete no décimo segundo mês.

Enfim, o ano terminou, me liberei dos inúmeros compromissos de trabalho, festas de confraternização entre amigos, colegas e família, desde as mais leves e descompromissadas às chatíssimas. Nos momentos finais tive o Réveillon que precisava. Cercada de amor, de amizade, que me proporcionaram momentos de paz, sossego, pouca gente, sem aquela musiquinha infernal nos ouvidos (“Adeus ano veelhooo!”) e um monte de gente em volta dando banho de champanhe em todo mundo. Valeu. Foi um encontro perfeito para descacetar a cabeça, pelo menos para iniciar o novo ano mais leve, com o HD reorganizado.

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