De Simone Silveira
6 de agosto de 2007. E a tempestade em alto mar? Já passou por uma, meu chapa?
Final de semana trancada dentro do meu ateliê costurando minhas criaturinhas de pano, feltro e algodão, assim foi. Sábado, baile rap rolando no parque em frente `a minha janela. Entra e sai agulha no tecido, os olhos vão se formando. Eu faço olhos. Vou enchendo os seus corpos. Eu crio volume à forma flácida. Pensamento voando por outras bandas. No dia seguinte, entrego as criaturas ao novo dono. Vou correndo pegar o trem das duas da tarde, linha Nova York-Boston. Chego dois minutos antes da sua partida. Peito arfando. Fome. Vou ao vagão-restaurante e como um cachorro quente. Lingüiça mal passada, esquentada no microondas. Isso aqui ainda me mata, penso. Celular toca, pego as minhas direções com o meu marido. Agora sei como chegar à Ilha de Martha’s Vineyard. Não é para Boston e sim Kingston o meu destino. Como o Bruno Vaks, preciso aprender melhor geografia. Desço em Kingston. Chove muito. Pego a van até a estação das barcas. Sabe se este é o caminho mais rápido? pergunta um homem ao meu lado, acompanhado da família—esposa algumas décadas mais nova, a filha de quatro anos, um filho de dezessete e a sogra, é claro. Não sei não. Nem sei se este é o caminho, respondi. Puxei conversa. Gosto de conversar. Da onde são? Daqui e de Cuba. Cuba? Como assim? A minha mulher e a minha sogra são cubanas, disse ele, com orgulho. Sou brasileira, confessei. Robby é baterista de jazz, esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, no mês passado tocando no Centro Cultural Banco do Brasil. Mundo minúsculo. Descubro os points certos para se ouvir um bom jazz em Nova York e onde comer uma boa comida cubana. No Victor’s. Pegamos o barco, atrasadíssimo. Lucía, la niña de quatro anos encontra exatamente treze pedras brancas para a viagem e as coloca na lancheirinha. Entramos no barco, compro cerveja e amendoim. O mar está bravo, penso se devo comer amendoins e tomar a minha cerveja. Começo, afinal já paguei por eles. Depois daquela ponte, diz Robby, o mar fica um pouco violento. O barco meia hora atrás do schedule resolve ir mais rápido. Voa sobre as ondas. os adolescentes gritam e gargalham de entusiasmo. É adrenalina pura. Lucía chora de medo. Eu penso nas treze pedrinhas brancas que não podem se perder. Ana, tu sabes nadar?, pergunto. Non, ela confessa. Olho para o Robby. Está acertado. Procuro com os olhos a porta e coletes salva-vidas. Conto quatro bueiros no chão do barco. Estou preparada. La hola vem, feroz, gigante. Arrebenta no lado direito do barco. Silêncio. As gargalhadas se calam. O barco inclina-se. Quase tocamos uma linha vertical imaginária. Por um triz não vira. Lucía berra. Ligo para a casa. Amor, o mar está bravo, quase viramos. Um instantinho só, tenho que ajudar o nosso filho lá fora, te ligo daqui a pouco, diz meu marido. Claramente não me ouviu. Desligo. Eis o que se passa em segundos pela minha cabeça: Nos meus vinte, criou-se um medo inexplicável em mim, medo de voar, de altura. Agora nos trinta, não. Não sinto nada. Se o barco virar, penso, acho que me safo e levo um comigo. Da onde vem tanta confiança? Paixão pelo mar? Se ele me levar, vou mesmo, de braços abertos, penso. Não tenho medo. Não penso no futuro. Sinto uma felicidade de ter chegado até aqui, o hoje. Me surpreendo comigo mesma. Que diabo é este pensamento egoísta? E os meus filhos pequenos? Nada. Serão felizes, sempre. Se tiver que morrer agora, neste mar enfurecido, assim é. O marinheiro reduz a velocidade do barco, pede paciência pelos próximos trinta e cinco minutos. Seguimos em paz ao som de “I gotta feeling, I feeling inside,” vindo dos autofalantes e se misturando com o barulho do motor. Dá até para relaxar. Volto a comer meu amendoim. Lucía tira as treze pedrinhas da lancheira. Terra à vista.
O barco não virou, meu chapa, quase, porém não virou. E se virasse?
6 de agosto de 2007. E a tempestade em alto mar? Já passou por uma, meu chapa?
Final de semana trancada dentro do meu ateliê costurando minhas criaturinhas de pano, feltro e algodão, assim foi. Sábado, baile rap rolando no parque em frente `a minha janela. Entra e sai agulha no tecido, os olhos vão se formando. Eu faço olhos. Vou enchendo os seus corpos. Eu crio volume à forma flácida. Pensamento voando por outras bandas. No dia seguinte, entrego as criaturas ao novo dono. Vou correndo pegar o trem das duas da tarde, linha Nova York-Boston. Chego dois minutos antes da sua partida. Peito arfando. Fome. Vou ao vagão-restaurante e como um cachorro quente. Lingüiça mal passada, esquentada no microondas. Isso aqui ainda me mata, penso. Celular toca, pego as minhas direções com o meu marido. Agora sei como chegar à Ilha de Martha’s Vineyard. Não é para Boston e sim Kingston o meu destino. Como o Bruno Vaks, preciso aprender melhor geografia. Desço em Kingston. Chove muito. Pego a van até a estação das barcas. Sabe se este é o caminho mais rápido? pergunta um homem ao meu lado, acompanhado da família—esposa algumas décadas mais nova, a filha de quatro anos, um filho de dezessete e a sogra, é claro. Não sei não. Nem sei se este é o caminho, respondi. Puxei conversa. Gosto de conversar. Da onde são? Daqui e de Cuba. Cuba? Como assim? A minha mulher e a minha sogra são cubanas, disse ele, com orgulho. Sou brasileira, confessei. Robby é baterista de jazz, esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, no mês passado tocando no Centro Cultural Banco do Brasil. Mundo minúsculo. Descubro os points certos para se ouvir um bom jazz em Nova York e onde comer uma boa comida cubana. No Victor’s. Pegamos o barco, atrasadíssimo. Lucía, la niña de quatro anos encontra exatamente treze pedras brancas para a viagem e as coloca na lancheirinha. Entramos no barco, compro cerveja e amendoim. O mar está bravo, penso se devo comer amendoins e tomar a minha cerveja. Começo, afinal já paguei por eles. Depois daquela ponte, diz Robby, o mar fica um pouco violento. O barco meia hora atrás do schedule resolve ir mais rápido. Voa sobre as ondas. os adolescentes gritam e gargalham de entusiasmo. É adrenalina pura. Lucía chora de medo. Eu penso nas treze pedrinhas brancas que não podem se perder. Ana, tu sabes nadar?, pergunto. Non, ela confessa. Olho para o Robby. Está acertado. Procuro com os olhos a porta e coletes salva-vidas. Conto quatro bueiros no chão do barco. Estou preparada. La hola vem, feroz, gigante. Arrebenta no lado direito do barco. Silêncio. As gargalhadas se calam. O barco inclina-se. Quase tocamos uma linha vertical imaginária. Por um triz não vira. Lucía berra. Ligo para a casa. Amor, o mar está bravo, quase viramos. Um instantinho só, tenho que ajudar o nosso filho lá fora, te ligo daqui a pouco, diz meu marido. Claramente não me ouviu. Desligo. Eis o que se passa em segundos pela minha cabeça: Nos meus vinte, criou-se um medo inexplicável em mim, medo de voar, de altura. Agora nos trinta, não. Não sinto nada. Se o barco virar, penso, acho que me safo e levo um comigo. Da onde vem tanta confiança? Paixão pelo mar? Se ele me levar, vou mesmo, de braços abertos, penso. Não tenho medo. Não penso no futuro. Sinto uma felicidade de ter chegado até aqui, o hoje. Me surpreendo comigo mesma. Que diabo é este pensamento egoísta? E os meus filhos pequenos? Nada. Serão felizes, sempre. Se tiver que morrer agora, neste mar enfurecido, assim é. O marinheiro reduz a velocidade do barco, pede paciência pelos próximos trinta e cinco minutos. Seguimos em paz ao som de “I gotta feeling, I feeling inside,” vindo dos autofalantes e se misturando com o barulho do motor. Dá até para relaxar. Volto a comer meu amendoim. Lucía tira as treze pedrinhas da lancheira. Terra à vista.
O barco não virou, meu chapa, quase, porém não virou. E se virasse?
4 comentários:
Experiência pra contar pros netos... Confesso que não me sentiria tão corajosa como você.
Aliás, você esteve aqui só pra FLIP?
re respondi no teu blog.
por três segundos, só, eupensei estar na barca Rio-Niterói.
aquele mar estava longe da calma Baía de Guanabaram a qual travessei por muitos anos da minha vida...
Bjs,
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