terça-feira, 14 de agosto de 2007
O que fica
Quando eu era pequena meu pai me deu uma boneca. Eu queria tanto, mas tanto, aquela boneca que, finalmente, em um dia de natal, lá estava ela. Em minhas mãos. O nome dela era Nádia. O que a tornava muito melhor do que qualquer outra boneca era que ela falava. Aperto o botão verde. "Oi, eu sou a Nádia". Eu, toda feliz, respondia: "Oi Nádia, eu sou a Érica". "Desculpe, você pode falar mais alto?". "OI NÁDIA, EU SOU A ÉRICA". "Você pode repetir?". Sim, foi frustrante. Eu simplesmente não conseguia me comunicar com a tal boneca. Minha voz era fraca e os sensores de voz da boneca não conseguiam capta-la. E meu pai, com toda a sua paciência paterna, vinha ensinar-me a brincar com a semi-menininha de cabelos ruivos. "Oi, eu sou a Nádia". "Oi Nádia, eu sou o Marco"(com seu timbre de voz forte). "Vamos fazer um passeio no parque?". "Sim". Ele colocava as mãos no rosto da boneca. "Está escuro aqui, você consegue enxergar alguma coisa?". Ele tirava as mãos. "Oh, está ficando mais claro". E assim, meu pai passava longas horas brincando com a bonequinha sob meu olhar atento. Eu gostava daqueles momentos, apesar de não participar ativamente da brincadeira. Mas aquilo passou. Uma hora eu já nem lembrava mais que a Nádia existia. Ela foi parar no patamar mais alto de meu guarda-roupa. Aquela boneca cara. O sonho de toda menina da minha idade. E de vez em quando eu ainda subo lá. Coloco as pilhas. Arrumo sua blusa rosa e sua calça de veludo vermelho que cheiram a mofo e ouço. "Oi, eu sou a Nádia". Agora ela me responde. Mas percebi que a brincadeira já não tinha mais graça. Não porque eu havia crescido e perdido o gosto pelas brincadeiras infantis. Mas porque ela me respondia. E eu não precisava mais chamar meu pai para brincar comigo. Porque a brincadeira mais legal tornou-se aquela em que eu podia ter a companhia de meu pai. Ouvir a sua voz forte. Sentir sua compaixão por me ver tão frustrada com a boneca que não queria falar comigo. E aquela boneca, cara, ficou jogada. Sem que aceitasse as minhas perguntas ou ouvisse as minhas respostas. Mas uma coisa eu sempre tive certeza: por mais baixo que eu falasse, meu pai estava sempre ali para ouvir. E isso, não há nada que possa comprar.
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