sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Um real

Essa mania de bancar a engraçadinha só me causa problema, gente. Sério. Ou vocês pensavam que era só aqui no blog? Não. É um vício. Um transtorno. Uma praga. Um modo de viver a vida que não vale a pena, garanto. Já me valeu muita inimizade, muito tiro pela culatra, pra não falar do meu péssimo hábito de resolver os problemas de todo mundo. Eu falo demais.
Hoje, por exemplo. Resolvi que hoje, dia trinta e um de agosto de dois mil e sete, eu ia, finalmente, mudar. Não ia fazer nenhum comentário desnecessário, nem explicar nada, nem facilitaria a vida de ninguém, em detrimento da minha própria. Ficaria na minha. Discreta. Calada. Hum. Não funcionou.
Eu tinha planejado comprar uma azaléia nova, e ao passar pela loja, na Antero de Quental, perguntei o preço:
— Oito reais. — Mais os três da violeta que eu queria levar pra mamãe, por conta da sexta-feira e tal, onze.
— Aceita cartão?
— Não. Só dinheiro. E cheque. — Na carteira, eu só tinha dez. Vou passar no banco, pensei. Enfrentar a fila, porque afinal, não tinha trazido o tal chaveirinho gerador de senha, conhecem essa? Na agência perto do cinema não tinha Prime, e a fila... vocês sabem: é sexta; pela hora da morte. Fui à minha agência, sete pessoas na minha frente. Pensei: ao chegar no caixa, não vou comentar nada, nem fazer nenhuma piadinha. Afinal de contas, estou aqui por minha própria escolha. Ninguém tem nada a ver com isso.
O caso é que das sete pessoas, pelo menos três tinham uma verdadeira bíblia em contas, fala sério, e eu lá em pé, morrendo de calor, ainda com gripe, indisposta. Esperando. Sete. Seis. Cinco. Quatro, três, dois. Opa. Sou eu. Não consegui, gente. Cheguei na frente do caixa:
— Vinte reais, por favor. — E fui em frente: — os vinte reais mais custosos de toda a minha vida. Mas não tem importância, foi até bom. Deu pra relaxar.
— Mas quando a senhora só quiser retirar, use o caixa automático...
— Eu sei, minha filha. Mas não planejava tirar dinheiro, e não trouxe o tal do chaveirinho. Paciência.
Saí do banco meia hora depois, com os vinte reais, mas muito puta comigo mesma. Enquanto eu andava as duas quadras até a loja de plantas, na direção contrária da minha casa, repetia obsessivamente dentro da cabeça: "quando eu chegar na loja, não vou falar nadinha, juro. Vou comprar a planta, pagar e pronto. Não vou ficar me explicando, tintim por tintim, ninguém agüenta mais isso." Pego a azaléia, a violeta, levo no caixa, dou um leve sorriso e adianto os vinte reais, cash.
— Tem um real?
— Não! — respondo, bem lacônica. E fico ali quieta, enquanto na mente, vendo o movimento da vendedora procurando troco, já vou criando a novela: "não quer deixar por dez? Poxa. Se fosse pra deixar por dez, não precisava eu ter ido ao banco. Fiquei na fila mais de meia hora, imagine." Mas a boca? Nem se mexeu. Vejo a vendedora perdida, buscando uma solução, roda daqui, roda dali, mas me segurei. Finalmente ela se decidiu, abriu a própria carteira, tirou de lá uma nota de dois "real" toda amassadinha, mais duas moedas de um real (que eu odeio), e me deu o troco contadinho: nove reais.
— Obrigada.
Saí de lá feliz da vida, pronta pro fim de semana, e com sorte, uma nova vida. Mas fala sério: podia ter passado sem essa, e afinal de contas, economizado um real.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Um blog que (quase) ninguém lê

"Let's not, and say we did", repete o Alan. Tem sido este, ultimamente, o mantra preferido dele, que enjoou de vez de sair de casa. E segundo ele mesmo conta, o do pai dele antes dele, e antes disso o do avô, e por aí vai. Ou diz que foi. Algo que, com meu parco talento de tradutora, não consigo importar pro português de jeito nenhum. Não com o ritmo e a cadência que eu gostaria, ah, Noga, deixa de frescura e traduz assim mesmo, afinal de contas, não tem ninguém lendo: "a gente não vai, mas diz que foi". Fudeu*. Se estrepou. Criou-se o mito, a mania, a onda: simples assim. Todo mundo diz que foi, mas não vi ninguém lá. Todo mundo tem, mas ninguém usa (até parece vibrador). E aquele best-seller então? Todo mundo comprou, mas ninguém leu. Tô falando de quê, mesmo? Pra quem?
— Ei, você aí! Tá me ouvindo?
— Quem? Eu?
— É. Você mesmo, que me encontrou online.
— Tá falando comigo? Eu, hein! Já fui. Tô fora.
Bato na porta. Grito. Insisto. Mas não acho ninguém. Escrevo para milhões, todo mundo sabe, faço isso faz tempo. Desde que resolvi publicar online, todo santo dia, uma versão vagamente confessa dos meus dramas cotidianos. Draminhas. Dramalhões. Transformados com alguma arte em projeto único de literatura, é. Pra você aí que (não) me lê (nunca), faço do blog um compromisso sagrado, um cultivar diário do ritual de escrever, quase outra religião, ah bom, agora entendi: digamos que eu rezo, mas não tenho a menor fé. Capricho no tema, no toque, no bom ou mau humor do dia, na dor, na nudez* da emoção, no gozo* da poesia. Corrijo a sintaxe com o maior carinho, a grafia, o ritmo. Leio em voz alta feito louca, o dicionário sempre ao lado, ops, na janela do lado. Digamos que eu escrevo, hum. Gosto de escrever, e não tenho mais nada pra fazer. Digo pra todo mundo que tenho um blog, sim, um sucesso de público, muito lido e apreciado, pode publicar aí, Joaquim, no Gente Boa: "Está no ar, totalmente remodelado, o blog da escritora e cronista Noga Lubicz Sklar, retumbante sucesso na blogosfera — onde sua audiência vem crescendo, e em ritmo chinês. Noga autografa no dia 4 de outubro, na Travessa do Leblon, o seu mais recente e pornográfico* romance: Hierosgamos - Diário de uma Sedução."
Tudo pelo leitor, este feitor. Ou melhor: esta ilusão. Sim, gente. Foi pensando em vocês — e claro, naquele chatíssimo, indesejadíssimo pop-up do Mercado Livre que tanto nos atormentava — que eu mudei de contador, e foi aí que a coisa pegou: acabei descobrindo que oitenta e quatro por cento da minha querida, valorizadíssima audiência, que me enche tanto a bola, passa menos de 5 segundos por aqui, ouviu?
— Hei, você! Peraí, volta aqui, pô! Fica mais um pouco!
Inútil, já era. Paciência. Pesquiso e descubro que isso acontece nos melhores blogs, verdade: coisas da ingrata blogosfera. E por causa disso, ou melhor, apesar disso, o Noga Bloga volta hoje a ser o que sempre foi: um espaço aberto, democrático e transparente, onde me mostro inteira e provo por a+b — e outras 21 letrinhas, parágrafos, travessões e vírgulas, claro — ser uma escritora única, erótica*, ousadíssima, genialíssima, injustiçada... e não-sei-por-que-cargas-d'agua, ainda inédita. Azar de quem não me lê, viu? Perdeu. Perdeu. Não gostou? E daí? Eu sim. Afinal de contas, ninguém me lê a não ser eu mesma, e francamente: não existe, atualmente, escritora melhor do que eu, espelho, espelho meu.
Resistiu até aqui (são 5%! só 5%!)? Pois saiba que aqui se pratica literatura, sim, a verdadeira, a amadora, a de quem escreve por puro amor à arte de escrever. Nada dessa chatice, dessa obrigação careta de ser profissional. O que não dá dinheiro, mas pelo menos, dá uma liberdade danada. Tchauzinho. Cansei, vou pra praia agora e pronto. Ninguém tem nada com isso.

* ah, sim. te peguei. essa foi só pra gerar tráfico, viu? ops. tráfego. dos sites de busca. entendeu?

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Para Não Esquecer

De Simone Silveira, Agosto 2007
Texto dedicado à Noga Sklar

Três horas da tarde de ontem, o carteiro me entregou um papel cartão rosa choque. Era uma comunicação de comparecimento ao correio. Corri. Há um bom tempo que não recebo cartas tão importantes. Julgo-as, inocentemente por opção, de valor elevado por serem registradas.

Há de se levar em consideração o cuidado extra do remetente pois não quer que seu leitor fique a ver navios e sua obra caia em mãos desafortunadas que jamais apreciarão a dedicação de se escrever uma carta, levá-la ao correio, dá-lhe tratamento VIP, e com coragem, tirar aqueles reais extras do bolso, ignorando a insistente pulguinha atrás da orelha que sussurra— e aí, boboca, palhaço, vai pagar mais? E se a carta acabar chegando de qualquer forma? Nunca se sabe, meu chapa... Você perde, mané.

A pulguinha pára para se coçar e então aquela cena da multa presa no pára-brisas lhe vem à cabeça. Multa, eu? Falta a humildade de colocar aquela moedinha na máquina, ou pagar aquela gorjeta extra pro flanelinha. Tudo pra driblar o sistema e brincar com a sorte. Como é bom a adrenalina correndo pelas veias, meu caro. O jogo vira. Vez ou outra, mais cedo ou mais tarde, ele sempre vira. E a multa está lá, brincando contra o vento que te irrita ainda mais. Não seria melhor ter colocado a moeda, ou mesmo duas só pra garantir a paz de espírito. Há os que cumprem, não são jogadores. Melhor comprar mais selos, registrar a carta e ter a certeza que é tudo pela felicidade geral do leitor!

Ainda me lembro do tempo, há uns dez anos atrás, antes da internet e dos emails, como me extasiava com a chegada de cartas. Nunca deixei de prestar a atenção ao horário de entrega das correspondências. Hábito. Aprendi bem aquele prazer.

Digo mesmo que foram as cartas e a certeza da chegada delas que me salvaram da depressão e da falta da pátria quando aterrizei nos EUA. Estava, como se diz aqui, homesick. Fechava os olhos e sentia o gosto do sal da água do Arpoador, o gosto do milho carregado na manteiga do ambulante em frente ao Canecão, das ladeiras da Lapa, do carnaval, me via atrás do Suvaco do Cristo e do Simpatia, blocos carnavalescos inesquecíveis— o carnaval havia acabado de acabar e eu partira. As lembranças eram ainda latentes, o Baixo Gávea e seu bafo que não deixava de ouvir até quando dormia, janela virada para os braços do Cristo abertos para mim, o meu namorado de então, o Jardim Botânico e o jardim da escola de teatro da Uni-Rio, na Praia Vermelha. Saudades do palco do teatro Lucinda e de alguns malucos do grupo de teatro Os Fodidos Privilegiados, Dirigido por Antônio Abjamra e João Fonseca. Os Privilegiados foi a minha casa e minha família por um ano e meio.

1996, A companhia havia acabado de se reunificar depois de alguns anos parada. Cara nova, grupo novo, tudo muito frágil. Explico: a dedicação do grupo ao espetáculo e companhia era intensa e inevitável. Precisava de uma reestruturação. Éramos muitos, o grupo era de alguma forma "democrático." Entrava qualquer um, desde que fosse comprovado que o teatro era uma escolha profissional do artista (carteirinhas do sindicato dos artistas, ainda me lembro. Quem não tinha, acabou ganhando). O espetáculo foi O Que É Bom em Segredo É Melhor em Público.

O diretor, Antônio Abujamra, juntamente com João Fonseca, tinha tido uma idéia brilhante no início do processo, que ele mesmo não participou pois estava dirigindo novela em São Paulo e vinha a cada duas ou três semanas para dar forma à peça. O homenageado seria o Nelson Rodrigues. Montaríamos O que é Bom em três atos baseados na adaptação do folhetim O Homem Proibido e rechearíamos os entreatos com cenas baseadas nas crônicas do Nelson. O entreato era a genialidade da montagem.

Eu gostava de chamar o grupo de Fodidos, como o Abujamra. Fodidos porque até os nossos figurinos eram pagos por nós. Não se fazia dinheiro lá. Patrocínio mesmo só alimentício. A nossa fome era religiosamente saciada nos intervalos dos ensaios à base de kani, aquela carne imitação grotesca de siri parecendo cigarrilha. O kani chegava aos montes durante os ensaios e apresentação. O significado mais profundo da palavra Fodidos, era a analogia direta e intrínseca à nossa condição de artista no Brasil. Éramos todos jovens, sonhadores e estávamos fazendo arte em um país que até hoje não acredita na educação, na classe artística e seu ofício, na política limpa como forma de evolução de um país e seu povo.

O Que É Bom em Segredo É Melhor em Público, estreou aos trancos e barrancos para os atores. O ilustre Abujamra, apesar de ser um diretor excepcional, mostrou um lado anti-ético decepcionante. Cortou 2/3 do espetáculo dois dias antes da estréia, deixando assim, não mão, mais da metade do elenco, me incluo nesta leva, depois de um ano de pesquisa intensa. Aprendi ali a minha primeira grande lição de desrespeito ao artista. Talvez a mais dolorida de todas pois se deu dentro de casa.

O processo de trabalho, começou com visitas semanais à Biblioteca Nacional para fotografar páginas dos jornais onde o Nelson havia escrito suas crônicas. Naquele tempo não havia quase nada da obra jornalística dele publicada em livro. Quando vi os inúmeros livros de crônicas sendo vendidos na FLIP—Festa Literária de Paraty, quase tive um enfarto. Tudo lá, prontinho pra levar para casa. Trouxe. Progresso gigantesco na literatura brasileira. Depois das visitas à biblioteca e dinheiro suado gasto para a xerox e passagem do próprio bolso, foi a vez das leituras e mais leituras— peças, romances e textos. Palestras. Começamos aliás, no Joquey Clube, na Gávea, até conseguirmos o espaço do Lucinda, na Cinelãndia. As noites acabavam ao lado, em brahma e batata frita no Amarelinho. Mesas de discussão, dentro e fora do teatro. Entre a aparição da Camila Pitanga, dando o ar da graça e de sua presença marcante por duas semanas, provando que nem todo global é, aliás insuportável e a saída dela, muito sangue rolou naquele grupo e naquele teatro, que diz a lenda ser mal assombrado (assombrado mesmo, era para mim voltar pra casa cruzando a Cinelândia à uma da manhã em dia de semana).

Camila era, penso ainda ser, simpática. Falava com todo mundo. Dizia estar em busca de uma experiência teatral. Trocamos até telefone. Iríamos tentar trazer meu ex professor da Uni-Rio, Léo Jusi, pra falar do Nelson pro grupo. Daí veio convite melhor, e ela cheia de ginga, partiu. Não sem antes deixar para trás um rastro da sua beleza latina da mistura das raças e da sua bunda perfeita e redonda, segunda a própria Pitanga, eleita naquele ano, a melhor da rede globo de televisão (perdão Camila, prometi confidência. Mas não fiquei famosa e duvido que ainda se lembre de mim. A verdade, mais cedo ou mais tarde sempre vem à tona. E hoje, quem se importa? Queria eu ter a sua bunda. ).

Os problemas daquele ano continuaram. Talvez não tão para a parte privilegiada do grupo. Quem faria o papel principal ? Era a nova questão. Uma outra mocinha, selecionada para o papel principal, durou poucos ensaios, foi selecionada para um gig melhor, novela no SBT e partiu para Sampa. O negócio é esquecer gente famosa e lançar sangue novo e ambicioso, como foi com a Cláudia Abreu no papel de Hamlet da memorável montagem a seguir premiada de Abujanra de Um certo Hamlet, em 1991, só com mulheres. Foi nesta montagem, que decidi ser atriz profissional, estudar teatro pra valer na universidade. Ainda trabalho com este cara, pensei, então, no auge dos meus dezesseis anos.

Quem? Quem? Quem? Põe a Guta Strauss, que acaba de chegar do Sul, de Curitiba. Guta tinha alguns conhecidos que já trabalhavam com o Abu há algum tempo, foi recebida com carinho extra. E por que não? E lá entrou a Guta. Menina cheia de energia, determinação. Ambiciosa. Tinha mesmo uma fisionomia rodriguiana, misteriosa, quase macabra. Ela era despachada. Sem medo. Repito, aquela menina não tinha medo de nada, do palco, de gente, do diretor, das luzes, dos erros, nada, absolutamente nada. Era impressionante. Eu a detestava como atriz, meu santo não batia com o dela fora dos palcos, mas admirava o profissionalismo e a eficiência. Guta aprendia tudo numa rapidez, marcação, fala, tudo. Assim foi. Papel escolhido é a vez de ensaiar. Era necessário colocar o volume exacerbado de informação coletada pelo grupo numa forma simples e atingível ao público. Paralelamente começou a ser produzido um outro espetáculo de Nelson Rodrigues, a adaptação de Abujamra e João Fonseca, assinando também a direção, para o romance O Casamento, Guta assumiu aquele desafio também.

A minha casa virou um antro rodriguiano na época dos ensaios. Arrastava móvel pra cá, levava a reck da televisão para lá. O meu namorado, que odiava gente em casa, estava à beira de um ataque de nervos. E eu decorava as frases da Engraçadinha e Seus Pecados e procurava alucinadamente apagar o naturalismo da sua imagem de seriado global. Expressionismo. Era só o que ecoava naqueles dias. Precisávamos de espaço. O Dulcinda, na reta final, estava mais ocupado com os ensaios de O Homem Proibido e O casamento. As cenas rodriguianas que conectavam a trama tinham que se virar para sair do papel. A gente ensaiava em qualquer lugar. Ano louco aquele. Peça pronta, ensaio geral. Chega o diretor de Sampa. Passamos a peça. Abu só balançava a cabeça. Muito longo, três horas e meia de espetáculo, dizia ele, o público vai dormir. Medo da Bárbara Heliodora sentada na primeira fila no dia da estréia? E não é que ela malhou mesmo? Detestou tudo. Temos que enxugar, concluiu.

O Ducinda quase veio abaixo. Cabeças rolaram, obviamente. Foi um deus nos acuda nos bastidores, novatos à beira do pranto. Depois do corte, lá se foram quase todas as cenas do entreatos, dois dias antes da estréia. Depois do choro, o boato—Tudo pelo processo. Não é esta a desculpa dita preferida aos que vivem pela arte no Brasil, principalmente aos que sonham em acontecer?

Peça enxuta, o resto do povo, virou mesmo, obviamente, povo, plebe, coro, no fundo do palco, cinqüenta atores da companhia, sentados em cadeiras duras durante duas horas e meia no fundo do palco do Teatro Lucinda. Imóveis. Mão nos joelhos. Só podiam piscar. É yoga. O negócio é dar vida aos olhos. Aos olhos, pupilas e cílios. Sobrancelhas, jamais! Juro ter sido esta a mais dolorida temporada teatral de todos os tempos. Tudo pelo teatro, era assim para muita gente ali— O tempo, o dinheiro dos pais, o próprio vindo dos salgadinhos, langeries e produtos da Natura vendidos no intervalos. Eu só pensava nas três classes que havia trancado na Uni-Rio, no meu dinheirinho suado de vendas de bombons e jóias entre uma matéria e outra na faculdade. Tudo em vão. Tudo? Claro que não. Pois não estou aqui hoje recordando com saudade, e digo mais, até com um certo prazer daquela experiência? Foi uma escola. Certamente. Verdade que não esqueço o desrespeito do mestre às suas próprias crias. Abraão sacrificando seu próprio filho para adorar a seu deus.

Tudo pela arte. Abú cortou muito. Resolveu eliminar os figurinos de quem não era elenco principal, vestíamos camisolas sexy preta. Nem deu pra salvá-las porque ele as detestou. Na tentativa final, quis que fossem cobertas em renda dourada. Passei uma noite com a figurinista e uma latinha de spray nas mãos tirando o negativo da renda sobre a camisola de laicra barata. Camisola rendada, cortada da peça também. Dezenas e dezenas, lixo. Nem deu pra levar pra casa a peça que me custou, ainda me lembro trinta reais. Elenco de apoio, sim viramos apoio dois dias antes da estréia, entra em roupa cotidiana—calça jeans e camiseta, resolveu o mestre. Ponto. Do pouco que restou da extraordinária obra do Nelson baseada nas crônicas e engavetada na Biblioteca nacional, que garimpamos e adaptamos, foi a dispensável mini cena com a loirinha linda de desessete aninhos. Era ligada ao Glauber Rocha, tinha o sangue do mundo do cinema. A loura não hesitou em ter uma cena de um minuto completamente nua, à meia luz. Era a sua única e primeira aparição nos palcos brasileiros. Abu entendia, a platéia também. Era Nelson Rodrigues.

Ao imigrar para os EUA, o teatro, foi o que mais me trouxe sofrimento e gerou saudades. Traidora dele no seu conceito e princípio mais puro. Carreguei esta sensação e culpa por anos. Tudo pela arte? Tudo mesmo? Eu falhei no meu próprio país. Léo Jusi escreveu no quadro negro da Uni-Rio em uma aula de Direção Teatral —você quer o teatro, e o teatro, te quer? Ali ele deve ter tirado metade da turma do trilho. Jamais esqueci aquela colocação. Exílio para mim aos vinte e dois anos. Meu exílio foi espontâneo, necessário, para esquecer os amores deixados para trás. E as cartas, as cartas me salvaram. Telefone era muito caro, ninguém ligava mesmo e eu não ligava de volta. Não sabia dos cartões telefônicos. Nem sei se tinham. Além do mais, sempre detestei falar pelo telefone.

As Cartas eram conforto, entre elas as de Rosa, minha grande amiga, irmã de alma, chegando semanalmente e sendo respondidas prontamente. Lia uma e a saudade era saciada. Nas respostas que lhe enviava, contava sobre a América, e assim eu ia me entusiasmando com tudo que era novo, com as minhas próprias impressões da realidade observada e vivenciada. Até que fiquei, fiquei mesmo, namorei, casei, tive filhos, jurei à bandeira, virei cidadã, estou voltando às artes— ao teatro, à costura, à leitura, à escrita. Tudo sendo feito novamente. Bem feito. Com amor. Dedicação e retorno. Há coisas que não mudam. Adormecem. De tanto cansaço. Ainda bem. Alívio. Há outras que evoluem muito rápidas, como a comunicação, o surgimento dos emails, chatrooms, msn, skype, e outras maravilhas do mundo moderno, que estou aos poucos me simpatizando.

Mais cedo ou mais tarde, eu me modernizo, me atualizo, I will catch up, I will be on the ball, o leite jamais ferverá e transbordará, não perderei o trem das onze, e vou parando aqui para não perder a originalidade do texto. Longe de plagiar o mestre Joaquim Ferreira dos Santos e suas expressões ressuscitadas do limbo, da lama, do escuro amedrontador do esquecimento. Esquecimento, que um dia, mais cedo ou mais tarde, cairemos todos, a maioria. Não cairemos, despencaremos, como fruta amadurecida, amarelada, murcha, manchada, bichada, flácida, seca, sem vida, sem suco. Inevitavelmente, desprevenidamente, assim sem mais nem menos, num dia quente de verão, ou mesmo por uma chuva forte, quem sabe pela força delicada da leve brisa interrompendo a natureza caridosa que ainda permite o fruto gozar do seu último gole de seiva.

Quando eu, você e o próximo cairmos, de verdade, ou no esquecimento, não restará muito, cartas, quase impossível. Emails salvos no hard drive, talvez. Mais cedo ou mais tarde se apaga tudo para não sofrer. São elas, as cartas, objetos de afeição quase perdidas, quase esquecidas pelo desuso, pela evolução da humanidade, como o latim, que pena, como uma lembrança vaga, um beijo de outrora. Eu gosto mesmo delas, de verdade. Sou tão obsoleta, fora de moda. Então, pedi perdão ao santo padroeiro das mães, coloquei os filhos na frente da televisão, gritei pro marido trabalhando no quarto ao lado que iria dar uma saidinha por quinze minutos. Fui ao correio buscar a minha carta. Há anos não recebo uma.

Não era. De dentro do envelope, puxei o conteúdo. Li Hierosgamos—Diário de uma Sedução, de Noga Lubicz Sklar.

Minha querida amiga de Oficina Literária de Paraty colocou dedicatória no seu livro capa rosa choque. Coincidência gostosa. Tem dedicatória, pensei, pode se dizer que é carta. E assim foi para mim. Fiquei feliz, ganhei meu dia! Carta longa é este livro. Noga, vou ler sua obra como se estivesse me escrito e contado um segredo seu, sagrado. Prometo te enviar uma carta de volta com comentários ao término da leitura. O meu obrigado é esta crônica que dedico agora, neste exato momento, à você.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Terror em Silent Hill

"A acompanhante, imagine, dopava o casal de idosos e saía pra namorar, deixando os dois em casa sozinhos. Numa dessas, exagerou na dose... e a senhora morreu durante a noite", é o que me conta C., a simpática, doce criatura responsável por mamãe nos últimos três anos. Acabei de demiti-la, com a desculpa bastante real da contenção de despesas, mas cá entre nós, nunca engoli esta mulher.
Venho trabalhando no assunto há quase seis meses, procurando uma alternativa viável ao esquema dela e tentando convencer a família da urgência em substituí-la. Me entendam bem: mamãe é assistida 24 horas por dia por duas cuidadoras zelosas, nas quais depositamos toda a confiança do mundo (espero que merecida). A ex-funcionária em questão exercia a função de "coordenadora da equipe" — ? e mais: ???? —, e o processo de demissão em si levou 2 semanas, durante as quais fui forçada a escutar de C. os mais escabrosos casos de maus-tratos a idosos, tudo numa tentativa patética de me provar, por a+b, a absoluta necessidade da presença dela para a segurança e bem-estar de mamãe. Até apelar para a possibilidade de apoio financeiro da comunidade judaica esta mulher apelou, ao me contar a história de um casal que acabou se suicidando por falta de recursos, fala sério. Eu disse a ela:
— Não, C., graças a Deus, não. Não é o nosso caso.
Agora vocês sabem o que passei nos últimos dias: vi desenrolar-se à minha frente, ao vivo, um script legítimo de um desses filmes B de terror, transformando o tranqüilo Alto-Leblon numa massacrante Silent Hill. Enquanto especulávamos várias casas de saúde para mamãe, escutei a horripilante criatura listar as desvantagens de cada uma, tudo, é claro, com o objetivo francamente manipulador de desestimular qualquer mudança:
— Você precisa estar atenta, Noga, pensar bem. No Rio Comprido tem tiroteio todo dia, imagine você, no meio da noite, atendendo a uma emergência de sua mãe em meio às balas perdidas. E os enfermeiros, atendimento médico e ambulatório 24 horas por dia? Tudo mentira. A não ser que você contrate acompanhantes particulares da sua confiança, sua mãe será maltratada, passará fome, tomará os remédios errados.
Não é que C. não tenha sido importante. Foi. Recomendada pelo psiquiatra de mamãe para organizar a rotina, pôr fim ao caos que imperava na casa enquanto morei nos Estados Unidos, montar uma equipe de confiança... tudo isso ela fez, e com sucesso. Se fosse, além de competente, honesta... teria ficado lá durante os seis meses necessários e seguido em frente...
— Escute, C. — aleguei, amenizando o golpe — o doutor disse que há tanta gente precisando de você. Antes do fim do aviso prévio você já terá outra paciente, não vai perder nada.
— Outro paciente? Não, não quero. Tenho sérios problemas de família e vou me dedicar a eles, não quero outro paciente tão cedo.
Ah, bom. Era este então o plano perfeito dela: receber um bom salário pra não fazer nada, explorando a nossa boa-fé e insegurança de filhos... e foi por isso que ficou tão revoltada. Há quase um ano, sem que a gente soubesse, C. vinha contratando uma das moças da equipe para substituí-la. E claro, pela metade do preço. Enfim. Já foi. Posso respirar de novo.
A noite passada foi de suspense absoluto, eu aqui em casa e mamãe na casa dela, entregue à megera recém-demitida. Tudo correu bem. Impressionante é descobrir a quantidade de pessoas que baseiam seu bem-estar e rotina profissional na exploração da desgraça alheia. O que ela me conta das casas de saúde para idosos, pelo que pude ver, não é tão absurdo quanto parece. O cliente, geralmente filho do paciente, já fragilizado pela triste situação do pai ou mãe e ainda por cima se culpando por tudo — é, gente. numa situação como essa a gente ainda por cima se culpa por tudo — é o pato perfeito para ser depenado. Maldade pura.
"Este é o mal que existe em tudo o que se faz debaixo do Sol: o mesmo destino cabe a todos. O coração dos homens está cheio de maldade; enquanto vivem, seu coração está cheio de tolice, e seu fim é junto aos mortos". Está na Bíblia, gente. Está na Bíblia. Já estou quase acreditando.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Do outro lado da mesa

Por Giovana Damaceno

São mais de 50 pares de olhos pregados em mim. Quem me conhece mais de perto pode pensar que estou falando de bichos. Sou da Sociedade Protetora dos Animais e com freqüência escrevo sobre bichos. Mas não são deles essas dezenas de olhos aos quais me refiro. Poderia até dizer que são tão infantis, ou inocentes, ou curiosos, quanto os de um cão arisco, ou um gato acuado. Mas falo mesmo de gente, uma turma de mais de 50 alunos do curso de Comunicação Social do UniFOA, onde estreei como professora de História da Comunicação há cerca de 15 dias.

Comecei falando das dezenas de olhos fixados na minha pessoa, porque é o que mais me chamou à atenção – e ainda me chama – nos momentos ansiosos da estréia. Há quase 20 anos estava do lado oposto, a observar atentamente, com olhar muito crítico, cada um dos professores que começavam o ano conosco. É inevitável essa observação atenta. Afinal, aquele cara, ou aquela mulher, entra ali para me ensinar alguma coisa que será fundamental na minha formação, vai passar um tempo considerável comigo e o que é pior, vai me avaliar. Quem é essa figura, então?

Até hoje me lembro do que esperei de cada um deles, quais foram as primeiras impressões, as simpatias imediatas e as antipatias que se tornaram eternas. Ficaram para sempre algumas conversas rápidas na saída da sala, quando falávamos sobre alguma particularidade minha – ou dele. Também não foram poucas as decepções ou frustrações com aqueles de quem esperei muito e não obtive nada, além de “boa noite, pessoal” ou “até semana que vem”. Nenhum conteúdo interessante, técnico ou filosófico, político, social ou cultural. Esses eram professores por acaso, por bico, por erro. Sim, eram pessoas erradas na vida.

Os inesquecíveis ficaram, desde as primeiras semanas de contato, no altar da minha imaginação, onde os tenho guardados, como peças raras de colecionador. Alguns ainda firmes e fortes, outros que já cumpriram seu tempo. Foram mestres, amigos, pais, mães, companheiros. Tinham matéria e história para contar, eram ocupados e preocupados com a responsabilidade de uma formação profissional, puxavam nossas orelhas e criticavam duramente nossos textos ainda tímidos. Formaram minha postura ética, ajudaram a moldar meu caráter, me ensinaram, letra a letra, a ser uma jornalista atenta a algo mais que a reportagem, o fato em si.

E agora lá estou, do outro lado da mesa, sendo observada, avaliada. Quem é essa mulher? “Boa noite, pessoal! Sou a Giovana, professora de História da Comunicação.” E são mais de 50 pares de olhos esperando que eu os ajude a ser jornalistas e publicitários com as histórias que tenho pra contar. Sinceramente, não creio que seja tarefa fácil, a começar pela certeza de que não sou uma pessoa errada nesta vida. Se decidi aceitar o desafio de ensinar, é exatamente porque sei que não vai ser moleza. E acaba sendo muito prazeroso estudar, organizar e preparar tudo perfeitamente para que não me torne a decepção que muitos se tornaram para mim. Infelizmente conheço gente que não dá se dá ao trabalho.

Parei para escrever tudo isso, porque na outra janela do navegador está uma enorme pesquisa em curso, para a aula da semana que vem. Muita informação para compilar, quatro tempos de aula para programar, a história dos meios de comunicação para destrinchar a partir da próxima segunda-feira. E aqueles 50 pares de olhos estão aqui, diante dos olhos da minha mente, aguardando o que vem por aí.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

O que fica

Quando eu era pequena meu pai me deu uma boneca. Eu queria tanto, mas tanto, aquela boneca que, finalmente, em um dia de natal, lá estava ela. Em minhas mãos. O nome dela era Nádia. O que a tornava muito melhor do que qualquer outra boneca era que ela falava. Aperto o botão verde. "Oi, eu sou a Nádia". Eu, toda feliz, respondia: "Oi Nádia, eu sou a Érica". "Desculpe, você pode falar mais alto?". "OI NÁDIA, EU SOU A ÉRICA". "Você pode repetir?". Sim, foi frustrante. Eu simplesmente não conseguia me comunicar com a tal boneca. Minha voz era fraca e os sensores de voz da boneca não conseguiam capta-la. E meu pai, com toda a sua paciência paterna, vinha ensinar-me a brincar com a semi-menininha de cabelos ruivos. "Oi, eu sou a Nádia". "Oi Nádia, eu sou o Marco"(com seu timbre de voz forte). "Vamos fazer um passeio no parque?". "Sim". Ele colocava as mãos no rosto da boneca. "Está escuro aqui, você consegue enxergar alguma coisa?". Ele tirava as mãos. "Oh, está ficando mais claro". E assim, meu pai passava longas horas brincando com a bonequinha sob meu olhar atento. Eu gostava daqueles momentos, apesar de não participar ativamente da brincadeira. Mas aquilo passou. Uma hora eu já nem lembrava mais que a Nádia existia. Ela foi parar no patamar mais alto de meu guarda-roupa. Aquela boneca cara. O sonho de toda menina da minha idade. E de vez em quando eu ainda subo lá. Coloco as pilhas. Arrumo sua blusa rosa e sua calça de veludo vermelho que cheiram a mofo e ouço. "Oi, eu sou a Nádia". Agora ela me responde. Mas percebi que a brincadeira já não tinha mais graça. Não porque eu havia crescido e perdido o gosto pelas brincadeiras infantis. Mas porque ela me respondia. E eu não precisava mais chamar meu pai para brincar comigo. Porque a brincadeira mais legal tornou-se aquela em que eu podia ter a companhia de meu pai. Ouvir a sua voz forte. Sentir sua compaixão por me ver tão frustrada com a boneca que não queria falar comigo. E aquela boneca, cara, ficou jogada. Sem que aceitasse as minhas perguntas ou ouvisse as minhas respostas. Mas uma coisa eu sempre tive certeza: por mais baixo que eu falasse, meu pai estava sempre ali para ouvir. E isso, não há nada que possa comprar.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

nas páginas amarelas da agenda do pequeno príncipe

eu tenho uma agenda do pequeno príncipe. azul. onde supostamente são anotadas coisas para uma suposta execução. mas eu me lembro de tudo. de tudo. não precisa do azul da agenda, e nem do marcador branco, em fita de cetim, entre as páginas: eu não esqueço nada!na capa há o menino do b612, com as mãos no bolso, no planeta que é só dele e a criança tem um ar de pessoa perdida, embora ele esteja lá no seu mundinho. é como eu. como todos nós, os nós. as estrelas sempre ao alcance das mãos, mas não se ousa.depois da capa, há figurinhas de um cenário mágico. e depois, na página amarela o intocável: palavras escritas de caneta azul (e as frases de caneta, você não pode apagar!) revelando que foi quebrável o que não deveria ser. ora, mas eu tenho mania de querer ditar as regras do jogo quando a vida não é jogo, e sim dança. me jurou o amor absurdo, um abuso, até. confessou que é simples e indolor a entrega à mim e de quebra, ganhei todos os olhares mais atenciosos. assim, nas páginas amarelas da agenda do pequeno príncipe, que é igualzinha à dela, lá, naquele planeta onde ela cultiva sua flor. eu, que nunca quis ser rosa de ninguém, pra não ficar na redoma de vidro, pra não me aprisionar a um lugar; só então me dei conta de que não sou nem o menino e nem o planeta: eu sou o vulcão.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Pra sempre meu amigo

Giovana Damaceno

Hoje ele se foi. Depois de 14 anos de vida em comum, parte do que vivi durante todo esse tempo se foi, num suspiro sofrido, no meu colo. Oito quilos e meio cobertos de pêlos negros, já salpicados de fios brancos que a velhice tratou de descolorir. Meu grande amigo, velho amigão. Creio que nos últimos anos foi realmente o único que viveu comigo as maiores alegrias e as mais amargas derrotas. Viu e ouviu meu choro, meus grunhidos de desespero, me olhava atento, fixo nos olhos, quando conversava com ele, ficava triste quando eu ficava triste. Me fez companhia naqueles momentos de solidão que só nós dois sabemos, porque sentimos juntos, nos cômodos do apartamento, na varanda, embaixo do tanque, na casinha de madeira, na porta da cozinha. Eu chamava, ele atendia; não chamava, e ele sentia mesmo assim, que precisava dele. Quando eu saía, não continha o medo de que eu não voltasse mais e gritava no portão. E quando eu chegava em casa era festa, aquela felicidade saltitante, corridas pela casa, latidos, ou às vezes choro, por me ver de volta. Só quem conhece, viveu ou vive amizade assim, sincera, pode entender. Amizade com base em amor mesmo, verdadeiro, incontestável, profundo, como de almas irmãs. Meu preto, meu crioulo, meu negão, hoje não saltitou quando abri a porta da casa de manhã. Não veio correndo abanar o rabo de bom dia. Fiquei triste, quando te vi triste. Meu dia desmoronou, quando o vi caído, sem forças. E nada me consola, desde que sua cabeça pendeu nos meus braços e de seu peito senti o respiro final. Não contenho o choro, desde o momento em que o deixei para trás, em companhia das árvores. Ficou lá um pedaço da minha vida, a minha dedicação, meus maiores segredos que só a ele confessei. Obrigada, meu amigo, por todas as gargalhadas que me tirou da garganta, pelo conforto ao chegar em casa e ser recebida por você. Por ter me ensinado a cuidar, desobrigadamente, a entender que você entende, a sentir que você também sente. Sinto sua falta. Desde sempre.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Radar

por Ana Beatriz Guerra

Rubem Alves, em sua crônica “Ao Carlos Rodrigues Brandão, meu amigo”, fala, obviamente, de seu amigo Carlos Brandão e narra “causos” peculiares que tanto ama. Em um determinado momento, Rubem Alves divide conosco uma filosofia pessoal de seu amigo: “aquilo de que me esqueci eu não possuo”. O amigo de Rubem chegou a aproveitar-se dessa filosofia para não devolver um dinheiro que lhe tinha sido emprestado. Até aí não se sabe se é verdade ou mais um “causo”, mas essa filosofia certamente pôs Rubem para pensar, e a mim também...

Não poderia haver nada de mais verdadeiro: “aquilo de que me esqueci eu não possuo”. Rubem usa o exemplo de um livro emprestado. Quantos livros emprestamos por aí e que deixam de ser nossos quando nos esquecemos deles ou de qual pessoa exatamente tem sua posse?

Tenho alguns livros por aqui que talvez não pertençam mais a seus donos, mas que, certamente, também não pertencem a mim, porque sei que não sou dona deles. Mas conservar um objeto de alguém é um jeito de manter a pessoa ainda a seu alcance? Porque os objetos que tenho em minha posse não são necessariamente meus, nem das outras pessoas, que sequer clamam por eles. São, em sua maioria, objetos de pessoas perdidas, não por desejo mútuo de nos perdermos, mas porque a vida se impôs entre nós. São vestígios de amizades não necessariamente findas, mas suspensas, vividas apenas num fio de memória, em frágeis encontros ocasionais.

Se a filosofia de Carlos Brandão funciona para objetos, será que ela funciona também para pessoas? Podemos reclamar a posse de uma pessoa: eu me lembro de você, logo você é minha?

De vez em quando, me pego pensando nas pessoas que passaram pela minha vida e as encaixo em três categorias: as que de fato esqueci (tanto que não consegui classificá-las, porque caíram mesmo no esquecimento e sequer as resgatei de lá), as que jamais vou esquecer (algumas entre as minhas pessoas preferidas) e as que não podemos esquecer, porque se fazem lembradas pela vida cotidiana (são as pessoas que convivem com a gente).

(Eu gostaria muito que você caísse na primeira categoria, mas isso é perto do impossível. Tá, é mentira, não quero que caia na primeira categoria, mas, que seria bom, seria. E também devo estar exagerando quando digo que é perto do impossível.)

Como tenho a tendência de querer delimitar posse em tudo e de tudo, tenho muita pena das pessoas da primeira categoria, pois são aquelas que ou não causaram nenhuma impressão ou passaram simplesmente sem deixar vestígios marcantes. São oportunidades perdidas.

Quantas pessoas esbarram conosco na rua, um universo encerrado em cada uma delas, e que simplesmente passam sem que nos demos conta, sem que possamos dar atenção, sem que a vida se imponha no meio? São perdas e ganhos cotidianos, a cada instante em que nos mantemos em nosso caminho, em nossas convicções, sem cruzar com os quereres e fazeres do outro.

As memórias que construímos nos escolhem ou são escolhidas, sempre ligadas a condições pré-determinadas. Mas, se eu me lembro bem, você existe. Se eu não me lembro, você não existe. Se me lembro, as pessoas são como os livros que não me pertencem: estão comigo, mas não posso reclamar sua posse. Se não me lembro, não estão comigo e perdi o seu alcance. E, se é que existem, existem independentes de mim. Mas, se não estão ao meu alcance, é como se não existissem; são mais um dos muitos universos encerrados dos quais não tomamos conhecimento.

Se eu não me lembro de você, eu não te possuo. Se eu me lembro de você, eu não te possuo também. Não porque você possa cair no esquecimento, mas porque memórias são particulares, construídas por cada um e, encerrados nelas, somos universos muito solitários. É a solidão que existe na raiz das memórias compartilhadas, memórias de eventos em comum, mas que jamais são as mesmas para duas pessoas, por mais que se amem, por mais parecidas que sejam, simplesmente porque são um e outro. E vice-versa.

Partilhar as memórias, dividir sensações e sentimentos, expressar pensamentos é o máximo dentro do outro onde podemos estar, é o alcance onde podemos fazer alguma diferença, é quando a gente ecoa dentro do que se lembra. É quando se voa dentro do alcance do radar do outro. Quando somos esquecidos, é como voar por instrumentos. É turbulência. É tempestade. É deriva.

Não queria que você saísse do meu radar, mas a vida se impôs entre a gente. E quem somos nós para desafiarmos a vida? Amores e desamores não são maiores do que ela. Mas é certo que lembranças cultivadas são uma forma de manter o outro vivo dentro da gente, pelo menos aqueles que não temos a ousadia de esquecer, pelo menos aqueles que foram importantes demais para virarem um universo encerrado fora do nosso alcance.

ALINE YASMIN

Para a nossa amiga Aline Yasmin

Aline
Alada
Quando calada
Quando não
Yasmin
Moldada
Em palavra-estopim

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Pequeno contado do medo

Do ponto de vista da madame – entre 35 e 40 - de chapéu e protetor solar 30 na praia depois das quatro, lendo um romance – ela viu o sujeito se aproximar. Tinha dois sacos enormes de latinhas para reciclagem. Ela de óculos olhou por cima, debaixo da sombrinha. Aquela altura a praia estava praticamente vazia, era segunda. Ela tinha biquíni comportado e caro, brancura condizente, queria ouvir o mar e terminar o livro, “Naufrágio”. O sujeito tinha calças no joelho, deixando à mostra as tatuagens nas duas pernas, cadeieiras, cruz, Jesus, letra de rap; era branco mas bronzeado da andança, cabelo anelado no ombro. Ele sentou na areia de modo que se via remendos no meio das pernas e acendeu um cigarro. Olhou em volta.
Até bem antes, ela já tinha pensado no celular, bolsa, no seu corpo branco, nos quantos cartões levava, nos filhos de conhecidos seqüestrados, nos ônibus incendiados, nas torturas da ditadura vistas em filme, nas atividades de assistência social adiadas cada ano, na segurança dos netos que virão, no futuro da humanidade, nos delegados que dão entrevista no vídeo, bigodudos, nos desfiles de escola de samba. Tudo por cima dos óculos, achou melhor fechar o olho. Não jamais olhava direto.
O sujeito cavucava areia com um palito de picolé, terminava o cigarro fazendo careta que deixava ver que tinha dentes brancos.
A banda do parque ao lado acelerava acordes graves no ensaio. Só o baixo em acordes graves, repetidos.
Ela virou de costas com o livro na frente, suando, pensando baixo de banda, esfregando mãos trëmulas de esmalte novo. Arrumou que o livro tampasse parte da barriga e sobrasse uma réstia de sombra entre o final da capa e aba do chapéu.
Ele cavucou mais forte até o ponto em que a areia fica úmida e escura.
Ela lhe atribuiu uma porção de tédio, revolta, pobreza, sujeira, raiva, solidão, sob a música do parque. Ela queria correr, mas passou a página do livro.
Ele mexeu nos sacos de latas esprimidas recicláveis com o pé.
Ela agora só via entrega, fim da linha de olhos fechados.
Ele sacudiu a areia da calça cinza – como sendo a que ela lhe viu na prisão – botou os dois sacos num ombro e seguiu.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

R E L A T O

De Simone Silveira

6 de agosto de 2007. E a tempestade em alto mar? Já passou por uma, meu chapa?

Final de semana trancada dentro do meu ateliê costurando minhas criaturinhas de pano, feltro e algodão, assim foi. Sábado, baile rap rolando no parque em frente `a minha janela. Entra e sai agulha no tecido, os olhos vão se formando. Eu faço olhos. Vou enchendo os seus corpos. Eu crio volume à forma flácida. Pensamento voando por outras bandas. No dia seguinte, entrego as criaturas ao novo dono. Vou correndo pegar o trem das duas da tarde, linha Nova York-Boston. Chego dois minutos antes da sua partida. Peito arfando. Fome. Vou ao vagão-restaurante e como um cachorro quente. Lingüiça mal passada, esquentada no microondas. Isso aqui ainda me mata, penso. Celular toca, pego as minhas direções com o meu marido. Agora sei como chegar à Ilha de Martha’s Vineyard. Não é para Boston e sim Kingston o meu destino. Como o Bruno Vaks, preciso aprender melhor geografia. Desço em Kingston. Chove muito. Pego a van até a estação das barcas. Sabe se este é o caminho mais rápido? pergunta um homem ao meu lado, acompanhado da família—esposa algumas décadas mais nova, a filha de quatro anos, um filho de dezessete e a sogra, é claro. Não sei não. Nem sei se este é o caminho, respondi. Puxei conversa. Gosto de conversar. Da onde são? Daqui e de Cuba. Cuba? Como assim? A minha mulher e a minha sogra são cubanas, disse ele, com orgulho. Sou brasileira, confessei. Robby é baterista de jazz, esteve no Brasil, no Rio de Janeiro, no mês passado tocando no Centro Cultural Banco do Brasil. Mundo minúsculo. Descubro os points certos para se ouvir um bom jazz em Nova York e onde comer uma boa comida cubana. No Victor’s. Pegamos o barco, atrasadíssimo. Lucía, la niña de quatro anos encontra exatamente treze pedras brancas para a viagem e as coloca na lancheirinha. Entramos no barco, compro cerveja e amendoim. O mar está bravo, penso se devo comer amendoins e tomar a minha cerveja. Começo, afinal já paguei por eles. Depois daquela ponte, diz Robby, o mar fica um pouco violento. O barco meia hora atrás do schedule resolve ir mais rápido. Voa sobre as ondas. os adolescentes gritam e gargalham de entusiasmo. É adrenalina pura. Lucía chora de medo. Eu penso nas treze pedrinhas brancas que não podem se perder. Ana, tu sabes nadar?, pergunto. Non, ela confessa. Olho para o Robby. Está acertado. Procuro com os olhos a porta e coletes salva-vidas. Conto quatro bueiros no chão do barco. Estou preparada. La hola vem, feroz, gigante. Arrebenta no lado direito do barco. Silêncio. As gargalhadas se calam. O barco inclina-se. Quase tocamos uma linha vertical imaginária. Por um triz não vira. Lucía berra. Ligo para a casa. Amor, o mar está bravo, quase viramos. Um instantinho só, tenho que ajudar o nosso filho lá fora, te ligo daqui a pouco, diz meu marido. Claramente não me ouviu. Desligo. Eis o que se passa em segundos pela minha cabeça: Nos meus vinte, criou-se um medo inexplicável em mim, medo de voar, de altura. Agora nos trinta, não. Não sinto nada. Se o barco virar, penso, acho que me safo e levo um comigo. Da onde vem tanta confiança? Paixão pelo mar? Se ele me levar, vou mesmo, de braços abertos, penso. Não tenho medo. Não penso no futuro. Sinto uma felicidade de ter chegado até aqui, o hoje. Me surpreendo comigo mesma. Que diabo é este pensamento egoísta? E os meus filhos pequenos? Nada. Serão felizes, sempre. Se tiver que morrer agora, neste mar enfurecido, assim é. O marinheiro reduz a velocidade do barco, pede paciência pelos próximos trinta e cinco minutos. Seguimos em paz ao som de “I gotta feeling, I feeling inside,” vindo dos autofalantes e se misturando com o barulho do motor. Dá até para relaxar. Volto a comer meu amendoim. Lucía tira as treze pedrinhas da lancheira. Terra à vista.

O barco não virou, meu chapa, quase, porém não virou. E se virasse?

Soberba Ignorância

De Bruno Vaks


Não adianta. Passa ano, vem ano e continuo tendo um certo problema com a geografia. Não é que não goste. Pelo contrário, sempre fui bom aluno nas aulas do primeiro grau, hoje ensino médio. Adorava saber nomes de bacias hidrográficas, explicar o que é planície ou planalto, que tipo de clima tem o continente europeu, ou simplesmente o que são as monções. Mas tenho de confessar algo que me atormenta até hoje.

Sim, confissão na porta da sacristia para o padre orador me mandar quatrocentas ave-marias. Não há maneira alguma de eu conseguir acertar as capitais de alguns estados brasileiros sitiados ao norte do país. Tirando Amazônia e Pará, que são grandes, o resto é um martírio. Sempre confundo Boa Vista com Roraima, Boa Vista com Acre, Rondônia com Roraima, Porto Velho com Amapá e por aí vai numa quase infinita análise combinatória. Não adianta. Continuo errando. Nunca sei onde é aonde. E olha que, inclusive sou formado com pós-graduação (quase coloco meu currículo aqui para vocês verem). Se participasse de programa de auditório com essas perguntas, iria para o brejo sem ganhar nenhum tostão.

Mas esse nem é o caso. O que me traz a esse assunto tão intrigante, foi a entrevista que a Danielle Souza concedeu a uma coluna social do jornal O Globo, semana passada. Para quem não conhece Danielle, ela é a já famosa mulher samambaia do programa Pânico. Eu mesmo já dei varias risadas com o programa. Mas para aqueles não familiarizados, a mulher samambaia é uma ajudante de palco, desses de auditório. A única diferença para as outras que também costumam ser beldades, é o fato dela usar um biquinizinho (vale enfatizar o diminutivo) todo revestido de folhas. Os atributos de Danielle são totalmente visíveis. Seu corpo bem torneado, digo escultural, seus olhos claros, cabelos longos e morenos. Um colírio que prende a atenção de qualquer marmanjo.

Mas o fato também não é esse. O que me impressionou em suas belas curvas devidamente vestidas num vestidinho (de novo o diminutivo) foram suas belas palavras ao responder perguntas frugais da coluna. Nada muito difícil, nada que qualquer ser humano instruído saberia responder. O resultado foi uma galhofa. Fiquei impressionado com minhas risadas que seguiram a leitura de cada frase que continha na entrevista. Era de uma alienígena. De uma pessoa fora do espaço, alguém que sem querer, nasceu. Falando português. Ela poderia ser vietnamita ou de Gana. Não importa. O grau de escolaridade de suas respostas me impressionou. De dez perguntas, não conseguiu responder nove. E que desenvoltura. Cada pergunta feita era respondida com um: - “Ihhhh, não sei!”, “Nossa que pergunta difícil” ou “Podemos pular essa?”.

Ora Dani, claro que pode. Na verdade, você pode tudo. No nosso país aonde corpo é essencial. Mente pra que? Temos de ser verdadeiros com os outros e mostrar a cara do que somos. Você pode ser pedreiro, engraxate, executivo de multinacional, piloto, tradutor e outras quinhentas profissões. O que importa é ser digno com as coisas que faz. E de que se é capaz. Espera-se do ser humano o poder da sabedoria e da educação. Que ele ao viver e crescer possa absorver tudo aquilo que der, tornando-o uma pessoa melhor, para que assim, possa ajudar o mundo a viver melhor. Você não tem culpa de não saber as respostas. Ninguém te ensinou e te disseram que a valorização do seu corpo era muito superior e podia lhe render alguns frutos. Não tem como negar, você é monumental. Um colírio para metade dos cidadãos brasileiros. Mas da mesma maneira que você é um colírio, você também é uma realidade. Com um cérebro pouco exigido trouxe a tona o que nosso país tem de podre. A falta de educação. Te garanto que dezenas de milhares de cariocas se deliciaram com sua entrevista. Se divertiram, zoaram com as possibilidades perdidas por você e com a falta de massa encefálica contida no bate papo informal. Ao mesmo tempo em que traz vergonha, traz também satisfação. De uma maneira que não saberia explicar a você. Um antagonismo crônico capaz de elucidar o mais premiado dos pesquisadores.

Toda vez que passo por você Danielle, pelas bancas me dá uma vontade de te comprar e te conhecer melhor. Mas a possibilidade das respostas me afugenta, para que continue sonhando com as curvas perfeitas da minha imaginação. E enquanto isso passa, pretendo decorar as capitais e estados citados acima para não dar vexame num futuro concurso nacional.

domingo, 5 de agosto de 2007

A N N A K

para annak, que diz não saber escrever. ainda.


anna k
asa gaiata
k passa
como asa
de garça


Os Fantasmas de Mário e os Meus

De Simone Silveira


OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

(Mário Quintana em o Baú de Espantos)


Comecei a ler mais um dos livros de poesia do Mário Quintana. Baú de Espantos tem como tema central a morte e a exposição, melhor afirmando, a justaposição, de dicotomias e contrastes, como o mundo palpável e o invisível. Há poemas extraordinários como Os Degraus, O Deixador e Poema Transitório. Há uma série de outros poemas de referência à era de Camões. Os sonetos são, para mim, leitura não tão agradável e fluida como os poemas curtos, cortantes e brilhantes do Mário.

A poesia do Mário em mim é transcendental e deixa as impressões mais profundas. Fechei o Baú e os olhos. Tive um sonho absurdo com o meu falecido avô, Aristides Couto.

Aristides nasceu, criou-se e morreu em Bom Jesus do Norte, E.S. Era ferreiro e tornou-se surdo e mudo aos 24 anos devido ao som agudo das suas marteladas no ferro. Eu conheci bem os labirintos da casa velha do meu avô, bem erguida no século passado e de pé até o dia de hoje.

Todas as manhãs, era eu quem levava o seu almoço amarrado no pano de prato listrado. Ele tinha já seus 90 anos. Eu sentava lá, olhava o buraco no teto de sancas adornadas de videiras enquanto ele mastigava com a gengiva. Trocávamos umas duas ou três frases, ele, tentando ler meus lábios e falando muito alto. Após ao término da refeição, ele embrulhava o prato vazio e preto do resto do caldo de feijão e se punha a palitar os dentes invisíveis no fim da boca. Levantava-se, colocava o chapéu na cabeça e, sem muitas dificuldades, me guiava até o quintal de mangueiras e jabuticabeiras. Lá no fim daquele quintal que parecia infinito corria o rio Itabapoana.

De pé, eu me encontrei, na mesma sala de outrora, a cristaleira de vidro com os mesmos bibelôs e quinquilharias. O mesmo buraco negro de onde as lendas brotavam naquela casa. À minha volta estavam todas as minhas tias e tios já mortos (e como são tantos. Aristides e Dona Maria José tiveram treze filhos e meu pai foi o último a nascer). Os mortos falavam muito e eu só via as saias dos vestidos coloridos das mulheres. Entre elas tagarelava a Sônia, vestida em saia vermelha rodada e estampada de peónias. Sônia é lenda viva entre as irmãs Campos Couto. Ela, ainda menina, caiu da mangueira no quintal (a mesma da minha infância), aterrisou num toco de madeira e aos quinze anos morreu de tétano.

Sônia abriu a porta azul da cozinha e se pós a correr pela rua afora. Atrás dela, montado em uma bicicleta, o guardião dos mortos, uma figura magra, alta e alucinada voava entre os vivos. Eu de longe e sem medo, espiava o alvoroço, afinal eram todos, apesar de mortos, família.

Acordei às pressas, engoli uma xícara de café morno, coloquei o Báu de Espantos dentro da bolsa e fui para o dentista. Lendo o Mário no trem para Manhattan hoje pela manhã, me dei conta pela primeira vez da minha natureza de poeta. Eu olho o mundo ao meu redor e olho o mundo dentro de mim e tudo emfim se transcreve em palavras; como o mundo deve se transcrever em cores para os pintores. O texto me persegue como os fantasmas de Mário e os meus próprios.

sábado, 4 de agosto de 2007

RUMO DAS PEDRAS

Giovana Damaceno

Depois de baixada a poeira já consigo mobilizar a memória e organizar minhas idéias para escrever. Durante mais de 30 dias vivi um êxtase, misturado ao temor do novo, do desconhecido, temperado com uma dose de felicidade completa. Fui selecionada para participar da Oficina Literária de Crônicas da FLIP 2007, em Paraty. A partir do dia em que recebi a notícia fiquei como em sonho, até poucos dias – confesso que ainda estou despertando. Afinal, foram centenas de inscrições de todos os cantos do país e também de fora, para selecionar 30, e lá estava eu, uma jornalista do interior do Estado do Rio, entre os escolhidos. Para completar, quatro dias em Paraty seriam realmente um sonho.

Parti para o litoral no primeiro dia da Festa. Cheguei a tempo de assistir ao show de abertura, na Tenda da Matriz, um espetáculo chamado Orquestra Imperial. Só mesmo em Paraty, em plena FLIP, é possível assistir a algo assim, com tamanha qualidade. Músicas, músicos, cantores e cantoras, num show pra lá de popular, feito para quem tem ouvidos sensíveis. Para ficar ainda melhor, uma participação especial de João Donato. Minha presença na FLIP começou a ficar inesquecível a partir dali.

No dia seguinte, ah..! amanhecer em Paraty... quantas vezes me lembro dessa sensação quando acordo em casa. Nem sempre é possível despertar nessa paz, com uma perspectiva de vida nova. Banho rápido, roupa leve, mochila nas costas e chinelo no pé. Em poucos minutos estava à frente da Tenda dos Autores para conferir o primeiro dia de movimento das mesas da FLIP. Me senti em casa, completamente confortável naquele ambiente. Foi minha estréia na Festa como participante, não como das outras vezes, jornalista, com pauta a cumprir e horário de fechamento de edição.

Enchi o peito e fiquei importante por isso. E assim cheguei à Pousado do Ouro para a Oficina. Deste momento em diante tive certeza de que algo estava mudado na minha vida. Na crônica de uma amiga da turma, quando fala de Paraty, há uma frase interessante, que retrata bem esse momento: “Passear por suas ruas é dar uma volta com quem você foi e vislumbrar um pouco quem você vai ser”. Isso parece comigo – valeu, Bia – não pelo caminhar nas pedras, mas o passeio pela literatura, uma proximidade que já buscava há anos e mal conseguia chegar perto, por motivos vários e inconfessáveis.

Enfim, estava lá, diante de Joaquim e Artur - assim mesmo, sem sobrenome de jornalista famoso - admirados desde que me tornei colega de profissão, à distância e anônima. Estava dentro de uma sala de aula, com dois grandes mestres e mais um grupo de pessoas que, cada um na sua história, vivia mais ou menos o mesmo que eu. Enfim, a tão desejada interlocução.

Viajamos juntos pelo universo brasileiríssimo da crônica, aprendendo técnica que não tem técnica, tentando definir o que não tem definição. Nossa liberdade estava sendo discutida em alto nível, com a doçura de Joaquim e a altivez de Arthur. Tudo isso sob as bênçãos da Flor de Obsessão, chamado Nelson Rodrigues, homenageado da festa e na oficina, um patrono. Entre cabras, grã-finas e moralismo, vivemos três dias intensos, que poderiam ter sido 30, ou 300.

Depois de flanar pela história da crônica, começando por Alencar, Machado, passando por João do Rio, Vinícius, Oswald , Antônio Maria, Chico, e tanta gente muito boa, cheguei a mim mesma, renovada, renascida pelas páginas da literatura. Muita coisa já havia ficado pra trás, quando escolhi o que faria parte da bagagem. E outras tantas deixei em Paraty, deixei cair pelas ruas, pelas pedras, no frio da noite.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

sim, trocaria todas as minhas paixões por você

encaixa tudo: os planos, as músicas que tocam aqui dentro. eu danço minha música, no meu ritmo, no meu tempo. compasso. o passo de dança que é contemporânea. que nem ela, que é antiga também. que me mostra outras coisas dos lugares mais bonitos e inusitados. é tempo de observar navios porque ela mesma é embarcação. carrega farelo dos restos de estrelas. prometeu me dar as linhas coloridas. aguardo. tento organizar as idéias, depois as responsabilidades, as decisões, os amores, a paixão, o encanto. quase não me caibo de tanta mirabolação, mas bom mesmo é assim pois não consigo me entediar. me liga no meio da manhã e resolve meus dramas. eu confio em tudo o que vem dele, por isso a raiva passa logo. me jogo de novo do alto da torre, da pedra, do tempo. me lasco inteira por meia hora de tagarelices. ele me entende. abraça forte meu corpo e vai ser a tal da pessoa ocupada e que vai salvar o mundo. vai crescer, vai.. te espero para um sorvete de raio de sol. naquela esquina em que vejo passar meus sonhos. eles passam e eu corro atrás. atleta, eu: salto, nado, corro, atiro, me jogo, velejo. de novo o mar, o rio. eu rio tu ris ele ri nós rimos. segurou minha mão e disse se orgulhar de mim. me confessou incondicional o seu amor. eu chorei. e a lágrima rolou pela avenida das treze alegrias, fertilizou as flores do meio-fio ao meio-dia do dia em que as coisas fugiram do meu controle. a varinha mágica virou farinha láctea sem estrelas na constelação, no meio do caos da era de aquário. sim, trocaria todas as minhas paixões por você. isso é querer ser límpida. mas já não posso: mordi a hóstia na primeira comunhão pra ver se saía sangue. eu não era santa! sorri peralta e grudou tudo no céu da boca. pro céu eu não iria mais, mas ele me levou lá tantas vezes. hoje parei no mesmo local onde a gente começou a trilhar o futuro: ‘pra que servem aqueles tambores no alto da torre?’ ; ‘os marcianos vêm tocar!’. eu acreditei de novo, e ninguém nem sabe..o cigarro é pra não deixar aflorar o gosto da tua boca, porque se eu fechar os olhos ainda sei teu beijo teu sexo teu corpo teu cheiro. tu inteiro ainda em mim. eu, tua. a cidade vai ficando distante e tu mais perto, porque essa sua mania de me presentear com a segurança é que me faz ir mais longe. é afeto um nó uma estrada coração e alma. amor sem condições. é história contada nas noites de medo, de insônia e segredos. é música, a descoberta de um povo novo que planta algodão doce em terras geladas. é o rastro que tu deixa por esse mundo, que eu sigo. te observando entre os atos mais bonitos. nessa tua expansão que me atravessa inteira. e permanece.

A LIÇÃO

De Simone Silveira,
Martha’s Vineyard, Julho de 2006


Acordei mais tarde que o normal. A casa já estava movimentada—o café passado, as crianças vestidas e correndo pelos corredores. Desorientada pelo excesso de horas dormidas, perambulei ainda meio sonolenta do quarto à cozinha. Finalmente beijei o filho mais velho, depois o marido e me arrastei para o chuveiro de praia ao lado de fora da casa.

Acima da minha cabeça, as andorinhas migravam. Pelas gretas espiei as roseiras que havia plantado no dia anterior. Enrolei-me na toalha e fui aguá-las por medo de que elas jamais medrem.

Quando as comprei, a senhora me alertou, “as roseiras são muito frágeis, tem que ler sobre elas, aprender como cuidá-las, saber como podá-las, protegê-las das doenças que destroem suas folhas, e mesmo assim, não há garantias.” Saí de lá com uma dúzia de roseiras inglesas e nada mais a declarar.

Vesti-mem e pintei-me. Era sábado, dia de ir passear na cidade com a família. Encontrei meu filho mais novo parado à porta. “Mamãe, mamãe, olha o coelhinho morto!”, ele disse estupefato. Entre os inúmeros coelhos que coabitam o nosso jardim, por meios não evidentes, aquele foi um desafortunado que acabou esticado e duro aos nossos pés.

Meu marido sugeriu que fizéssemos a limpeza do corpo do animal mais tarde, depois do passeio. “Está doido?”, eu disse, “se ele ficar aí, vai virar banquete para os gambás, é melhor resolvermos a situação logo.”, completei decidida. Nossos dois filhos nos olhavam curiosamente. “Vou lá pegar a pá para jogá-lo do outro lado do muro.”, ele disse.

Olhei para as crianças e dei-me conta que este era o primeiro contato delas com a morte. “Enterre o coelho, por favor, e leve os meninos para que eles dêem adeus ao animal,” eu disse pausadamente.

Os três saíram em procissão-à frente, meu marido carregando a pá e o coelho esticado dentro nela, atrás foram as crianças se acotovelando. “Victor, quer dizer alguma coisa?”, perguntou meu marido ao filho mais velho. “Por que você morreu, coelhinho?”, ele indagou. Nenhuma resposta. Enterraram o bicho.

Se ontem deparei-me com a fragilidade daquele animal, hoje foi com vulnerabilidade das rosas. Vi os coelhos comendo suas pétalas. “Da terra nos alimentaremos, para a terra voltaremos e dela brotaremos para que alimentemos o outro” eu disse aos meus filhos.

Estamos todos, pouco a pouco, entendendo o ciclo da vida.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Vou por aí a procurar

Eu tinha que escrever essa crônica, fosse por uma vontade de perpetuar minha passagem pela FLIP 2007, fosse pela demanda da oficina de crônica, fosse apenas por regozijo mental ou até mesmo por puro diletantismo – que me desculpem os leitores, sei que boa parte terá que parar sua leitura e ir ao dicionário saber o que significa esse vocábulo e caso eu trabalhasse num jornal de grande circulação isso seria motivo de admoestação pelo respectivo editor, voltemos, o ponto de partida não podia ser melhor, falar sobre possíveis lugares por onde Nelson Rodrigues passaria em Paraty (ou mesmo passou, quem sabe) já que foi o grande homenageado da quinta edição dessa festa que não pára de crescer. O estranho é que por mais que o tema fosse bom, a aura do lugar magnífica e a vontade de fazê-la ser imensa eu não consegui passar da primeira linha nos primeiros dias. Talvez tenha me acanhado após ler algumas pérolas da antologia As cem melhores crônicas brasileiras e ainda havia um outro ingrediente: o prazo. Segundo os mestres Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapieve esse tempero foi o responsável por boa parte de nossas melhores crônicas. E foi assim, o tempo passando, o bendito prazo acabando, acaba hoje por sinal, e eu olhando para o papel em branco com receio de escrever uma crônica ruim. Resolvi criar coragem, o pouco tempo de que disponho para terminá-la tornou-se por fim grande amiga. Coloquei músicas da Orquestra Imperial no Windows Media Player para assim reviver Paraty. Moreno entrou cantando Sem compromisso e eu lembrei que ali estava sob a Tenda da Matriz mui bem acompanhado. Depois do show uma taça de Casillero del Diablo e um tranqüilo sono. A caminhada até a Pousada do Ouro na manhã seguinte tinha um quê de em busca do El Dorado das crônicas, afinal de contas apesar de concordar com Joaquim de que “crônica não se aprende na escola”, o simples fato de ter acesso aos bambas já faria sentido e muito. Chegada tímida, não vi yanomamis, fui bem recebido pela Roseli no credenciamento e em seguida por Dapieve. Após o primeiro dia de aula comi uma moqueca de peixe que não tinha pirão, substituíram o dito cujo por uma farofa de camarão que por sinal estava gostosa. Do restaurante segui para a mesa 4, com os autores Will Self e Jim Dodge, este último é responsável pela criação de uma pata obesa e eu fiquei pensando se a Fup se daria bem com o cachorro atropelado de Nelson. Depois das diatribes (aqui outra admoestação, com certeza) de Will e da promessa de jantar romântico entre ele e o Dapieve, que mediava a mesa, saí de lá tentando encontrar Nelson Rodrigues e com medo de morrer no banheiro por conta dos sabonetes assassinos. Andando pelas ruas de pedras seculares me senti como um cãozinho de Pavlov desorientado, pois ouvia sinos vindo de todos os lados, salivava e nada. O papa é pop, a FLIP também. Andar entre semi-deuses não é fácil, pois ali todos parecem sê-los (outra?). São muitas pessoas portando crachás das mais diversas cores e desfilando uma gravidade típica de intelectual importante, menos os de crachás amarelos e camisas vermelhas. Não vi Nelson muito menos Otto Lara Resende quando entrei no Bar do Che, a festiva ainda não tinha dado as caras, era cedo e constatei ao comprar uma cerveja long neck de que socialismo no dos outros é refresco, a garrafinha me saiu por três reais e cinqüenta centavos “hei de endurecer” pensei, mas segui na paz com a garganta saciada pela loirinha. No segundo dia de aula aprendi que é preciso sair do lugar comum, não repetir assuntos pra lá de batido nos jornais e de que é preciso ter uma boa condução da crônica, sempre associando idéias, infelizmente saí da aula ainda sem nenhuma sobre o que escrever e mais ainda se continuaria minha busca pelo Anjo Pornográfico. A mesa 9 me deixou mais calmo, talvez eu estivesse, como disse Lehane, num estado de coma em relação à escrita. Mas não me conformava e saí decidido a encontrar Nelson e lhe pedir, por favor, uma crônica. Frustração. Nem a cabra vadia eu consegui ver, a mesma se sentiu mal e foi embora no segundo dia de festa. Terceiro e ultimo dia de oficina, sábado de sol, tomei um sorvete de goiaba e fui para a aula com a mente tomada pela manifestação de um grupo de moradores que cobrava luz da Ampla. Belos contrastes, a cobertura da Ampla não condiz com o nome da empresa e mesmo tendo tantos iluminados na quinta edição da festa vemos que essa luz realmente é para poucos. Faltou apenas cantarem Chico no protesto para transformá-lo em mais uma performance artística dentre as muitas que foram vistas pelas ruas de Paraty. Neste dia ensolarado aprendi que é importante ser subjetivo, informal. Não posso me distanciar do leitor, é preciso pega-lo de cara, sem muitos preâmbulos. Ficou combinado que o prazo para entrega das crônicas seria hoje, uma quarta-feira e cá estou a escrever. Depois fotos coletivas, troca de e-mails e a promessa de contato da turma via internet. Não encontrei quem tanto procurei, mas no final das contas creio que procurava era por mim mesmo e me encontrei logo após O beijo no asfalto. Voltei ao Rio de Janeiro com a benção dos mestres. Deixe-me ir, preciso andar.

André Salviano

"Eu não sei nada de literatura" *

"Não se pode ter tudo", Cora Rónai foi na mosca. É disso tudo que é preciso entender para se entender, se perdoar, engolir o mico e se preservar. É. No turbilhão — clichê! — da informação que sufoca, desgosta, deleita, se descolar, decolar no espaço do admirar, parar, calar: um breve intervalo entre poema e prosa, entre ficção e vida. Entre a banda larga e a banda que passa, ah, gente, na janela: vendo ela passar quando ainda era música, não megabytes por segundo. Saudade, é. Estou num momento assim, ai, que medo de algum tipo "nossa, como ela é feia", ou, "burra", ou, "preguiçosa", ou, resumindo tudo, "decepção, coitada, prometia tanto...".
É tudo mentira. Lá fora, sim, é o século 21, mas aqui dentro é o esterno que dói, o corpo que se rói, a falta de saco, o chamego, a vontade de fazer nada, a prisão de ventre, a fome voraz sem vontade nenhuma de comer nada. A verdade é a anemia dos vegetarianos, gente, é. A falta do excesso de assunto, pra não dizer coisa com coisa. Ou vocês pensavam que era tudo brilho? Perdeu, meu chapa. Falou besteira, e se não der pra apagar, voltar atrás... fica na fama feito nódoa.
Um dia no hype outro no skype, se for preciso eu explico: vendo a vida de fora. Se algum texto precisa de explicação (é o que me diz o Alan, me exasperando na praia ao sol do meio-dia) é que não vale nada, deixa de fora a mesmice. A curta-imaginação. Uma ousadia de arriscar poema, ouvindo a trilha digamos assim... acabar em ruído.
Todo mundo tem seu dia, essa nem fal(h)a, de coelhinha aparecendo vestida. A burrice alheia diverte, nos engrandece, tá certo: *Mulher-Samambaia e seu cérebro-de-minhoca, fatiado ao vivo no Gente ?Boa? do Globo (de graça online sob cadastro), em público, para milhões, hum. No fundo do intestino a merda sempre fede, chegar lá pra quê?
Mais compaixão e menos sensacionalismo, gente, porque do mico ocasional ninguém escapa, certo, hum: dizem que há limites. Mas a "vida pequena", sim, continua (entre as aspas o termo é da Cora). Apesar da banda: cada vez mais larga e menos musical, respira fundo e toca o sino três vezes. Om.