sexta-feira, 27 de julho de 2007

A vida como ela é

- Ele tem uma amante.
O caminho de São Paulo à Parati é longo. A paisagem da estrada compensa as intermináveis horas dentro de um ônibus de viagem. O ar condicionado gelado não condizia com o sol lá fora da janela. Na televisão, um filme antigo que eu já assistira diversas vezes na Sessão da Tarde.
Um colega dorme ao meu lado. Como eu queria compartilhar de seu sono! Mas a agitação e ansiedade de chegar a Parati era tão grande que só restou olhar a paisagem verde da estrada tortuosa e, bem, ouvir histórias alheias.
- Ele tem uma amante- disse a senhora de óculos.
- Você tem certeza? Pode ser apenas uma desconfiança boba.
A amiga, tentava consolar.
- Que nada! Tenho provas. Contratei um detetive particular que tirou fotos e me fez um dossiê completo. Até tentei uma terapia de casal, mas não consigo mais nem olhar para a cara do canalha.
A conversa de duas senhoras distintas atrás de mim tornou-se mais interessante do que as árvores, as vacas pastando ou as nuvens que faziam desenhos no céu azul.
- Meu filho não aceitou o divórcio. Entrou em depressão, está com problemas na escola. Entra em casa e se tranca no quarto, sem sair mais dali. Achei que tê-lo trocado de colégio melhoraria as coisas, mas, de nada adiantou.
- E seu marido, o que faz em relação á isso?
- Meu Ex-marido, você quer dizer? Trepa loucamente com uma loura vadia, com um corpinho de sereia e 20 anos a menos do que eu.
A mulher com ares de professora, rumo a Parati, aproveitaria a FLIP. Compraria livros, tomaria café em uma casa colonial e beberia pinga em um boteco na praça da matriz. Arranjaria uma transa casual para esquecer os problemas. Era eu, imaginando a história que as duas teriam para contar na viagem de volta.
O ônibus fez uma parada na estrada e a história com a qual meus ouvidos se deliciavam, acabou. Virei de lado e tentei dormir. Fechar os olhos e se desligar do mundo era o melhor que eu poderia fazer naquele momento. O caminho era apenas mato. O destino, Parati. O objetivo era literatura. E o homenageado, Nelson Rodrigues. E tudo a minha volta já parecia ter entrado no tal clima Nelson Rodrigueano.

2 comentários:

Simone Couto disse...

Josephine, adorei teu texto. Divertidíssimo, apesar de trágico (ou quase).

Bjs, Simone Silveira

Claudio Brites disse...

...quase...