Jim Dodge e a pseudo-Fup na Pousada do Ouro foto: Noga Lubicz Sklar
Apesar de confundir Modigliani com Magritte, esse Joaquim Ferreira dos Santos é mesmo um grande cronista. Foi o que descobri, com alívio e gosto, refletindo na pousada em Paraty naquele momento único, solitário, logo depois do café: uma espécie de irmão no ofício, na rotina diária, na caprichada ironia cotidiana bordada em preto no vazio da tela. Ah! Escrever às 7 da manhã, sem cigarro, sem uísque ao lado, sem o cálido abrigo da madrugada, é como trepar logo cedo, o corpo e a mente despertos: coisas do puro amor maduro — como diria Antonio Maria —, puro amor pela literatura. Sem meias palavras. Tive a sorte de tê-lo como mestre, o Joaquim, de vê-lo sorrir ao descobrir meu texto, de ouvir minha voz na voz suave dele. Valeu por tudo.
Depois da aula tenho um encontro que não dá muito certo e acaba antes de começar. É quase hora do debate e o lugar vai se enchendo de gente, eu meio perdida, quando adentra o café uma figura suave, diáfana, a pele de porcelana em par perfeito com o cabelo negro e liso, aparado na altura do queixo, um je ne sais quoi que a envolve feito aura enquanto desliza em direção à mesa vaga, bem na beira do rio. Não dá pra sentir daqui, mas desconfio do perfume inebriante dela. De sua importância no meu futuro de escritora sim, tenho a máxima certeza, e em seguida a um breve e ríspido diálogo com a timidez, de livro na mão, me aventuro até ela:
— Mônica?
— Sim?
— Estou lançando o meu romance aqui em Paraty, posso te dar um? — me intrometo entre os amigos dela, esticando oferecida a capa cor de rosa choque.
— Claro — ela sorri, com uma doçura de ambrosia — muito gentil da sua parte.
Eu poderia encerrar assim, com chave de ouro, meu encontro com a celebridade em Paraty, mas longos sessenta minutos me separam do compromisso com o Alan. Me estico preguiçosamente na grama e ligo o meu radar, que não demora um segundo pra revelar o mirradinho Jim Dodge a uns três metros dali, com seu jeito enrustido de animador de patos, o indefectível livrinho cult na mão esquerda e um assustado olhar furtivo, suspeitíssimo. Pois não é que o naturalista, zen, ambientalista e protetor dos pobres de espírito Jim Fup Dodge está... FUMANDO UM CIGARRO?? Gente! This guy is a fucking liar! Escondendo o cigarro aceso no oco da palma da mão pra que ninguém perceba, Jim Dodge é surpreendido no ato infame por um fã todo animado com a presença dele ali, tão perto, tão disponível, tão blasé e ao mesmo tempo tão sedento de reconhecimento: afinal de contas, o cara vive isolado num rancho da Califórnia, se contentando em ser cultuado pelos poucos vizinhos, ahan, vou fingir que acredito. Pra falar a verdade eu até já tinha caído nessa, admirada com aquele avozinho hippie, de fala e olhar mansos, dando entrevista ao Portal Literário no jardim do hotel... Fucking liar, isso sim. Aqui na FLIP virou arroz de festa: foi jantado ao molho pardo por Will Self no palco e acabou tirando fotos ao lado de fãs, dando autógrafo pra meia-dúzia de gatos pingados tendo sempre ao lado a lamentável pata de madeira — que ainda por cima mais parece um ganso —, segundo ele explica uma idéia da editora. Podia ter passado sem essa, sério, e quanto a mim...
Alívio: meu resgate já vem chegando, pra dissolver no abraço essa insanidade toda. Vejo o Alan de longe, atravessando a ponte, e relaxo completamente na cumplicidade amorosa dele, enquanto uma gloriosa Mônica Waldvogel sai do Café da Tenda e atravessa o gramado, com o Hierosgamos bem à mostra, abraçado junto ao peito. Oba. Ganhei o dia.
Apesar de confundir Modigliani com Magritte, esse Joaquim Ferreira dos Santos é mesmo um grande cronista. Foi o que descobri, com alívio e gosto, refletindo na pousada em Paraty naquele momento único, solitário, logo depois do café: uma espécie de irmão no ofício, na rotina diária, na caprichada ironia cotidiana bordada em preto no vazio da tela. Ah! Escrever às 7 da manhã, sem cigarro, sem uísque ao lado, sem o cálido abrigo da madrugada, é como trepar logo cedo, o corpo e a mente despertos: coisas do puro amor maduro — como diria Antonio Maria —, puro amor pela literatura. Sem meias palavras. Tive a sorte de tê-lo como mestre, o Joaquim, de vê-lo sorrir ao descobrir meu texto, de ouvir minha voz na voz suave dele. Valeu por tudo.
Depois da aula tenho um encontro que não dá muito certo e acaba antes de começar. É quase hora do debate e o lugar vai se enchendo de gente, eu meio perdida, quando adentra o café uma figura suave, diáfana, a pele de porcelana em par perfeito com o cabelo negro e liso, aparado na altura do queixo, um je ne sais quoi que a envolve feito aura enquanto desliza em direção à mesa vaga, bem na beira do rio. Não dá pra sentir daqui, mas desconfio do perfume inebriante dela. De sua importância no meu futuro de escritora sim, tenho a máxima certeza, e em seguida a um breve e ríspido diálogo com a timidez, de livro na mão, me aventuro até ela:
— Mônica?
— Sim?
— Estou lançando o meu romance aqui em Paraty, posso te dar um? — me intrometo entre os amigos dela, esticando oferecida a capa cor de rosa choque.
— Claro — ela sorri, com uma doçura de ambrosia — muito gentil da sua parte.
Eu poderia encerrar assim, com chave de ouro, meu encontro com a celebridade em Paraty, mas longos sessenta minutos me separam do compromisso com o Alan. Me estico preguiçosamente na grama e ligo o meu radar, que não demora um segundo pra revelar o mirradinho Jim Dodge a uns três metros dali, com seu jeito enrustido de animador de patos, o indefectível livrinho cult na mão esquerda e um assustado olhar furtivo, suspeitíssimo. Pois não é que o naturalista, zen, ambientalista e protetor dos pobres de espírito Jim Fup Dodge está... FUMANDO UM CIGARRO?? Gente! This guy is a fucking liar! Escondendo o cigarro aceso no oco da palma da mão pra que ninguém perceba, Jim Dodge é surpreendido no ato infame por um fã todo animado com a presença dele ali, tão perto, tão disponível, tão blasé e ao mesmo tempo tão sedento de reconhecimento: afinal de contas, o cara vive isolado num rancho da Califórnia, se contentando em ser cultuado pelos poucos vizinhos, ahan, vou fingir que acredito. Pra falar a verdade eu até já tinha caído nessa, admirada com aquele avozinho hippie, de fala e olhar mansos, dando entrevista ao Portal Literário no jardim do hotel... Fucking liar, isso sim. Aqui na FLIP virou arroz de festa: foi jantado ao molho pardo por Will Self no palco e acabou tirando fotos ao lado de fãs, dando autógrafo pra meia-dúzia de gatos pingados tendo sempre ao lado a lamentável pata de madeira — que ainda por cima mais parece um ganso —, segundo ele explica uma idéia da editora. Podia ter passado sem essa, sério, e quanto a mim...
Alívio: meu resgate já vem chegando, pra dissolver no abraço essa insanidade toda. Vejo o Alan de longe, atravessando a ponte, e relaxo completamente na cumplicidade amorosa dele, enquanto uma gloriosa Mônica Waldvogel sai do Café da Tenda e atravessa o gramado, com o Hierosgamos bem à mostra, abraçado junto ao peito. Oba. Ganhei o dia.
2 comentários:
Você deixou o Jim em uma Saia Justa hein! E a Maitê Proença também caminhava pelas ruas de Parati, você viu?
adorei! você e mônica, eu e fernando! beijo
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