quarta-feira, 25 de julho de 2007

As grã-finas de Nelson em Paraty

Por Giovana Damaceno

Desde que freqüento Paraty, há quase 20 anos, não dispenso o prazer de caminhar por aquelas ruas de pedras sem rumo, sem hora, de preferência à noite, sozinha ou acompanhada. Acho que é porque não canso de me apaixonar pelo casario colonial, ruazinhas estreitas, escuras, quase becos. Mas nem todo mundo caminha assim pelas ruas de Paraty. Aliás, muita gente vê na cidade apenas o point, a balada, onde podem exibir seus modelitos, incluindo-se aí saltos altos em toda a sua exuberância. Nada contra, mas desde que vi pela primeira vez uma mulher se apoiando no marido para conseguir equilibrar o salto naquelas pedras, pensei: “Nelson Rodrigues adoraria ver isso”.

Tal associação a Nelson me passou pela cabeça por causa das grã-finas citadas com freqüência em suas crônicas. É de fazer rir a forma com que se referia a elas. Dizia que se maquiavam tanto que ficavam todas iguais. A ponto de não identificar a dona da casa em uma festa. “Todas usavam uma hedionda máscara amarela”. Depois de ler isso é impossível não imaginar Nelson a observar o desfile das perseverantes equilibristas nas pedras de Paraty. O que pensaria?

Moralista, talvez discorresse sobre quadris rebolativos, pernas expostas por saias curtas ou grandes fendas nas saias longas, shortinhos. Tudo isso decorado e sustentado por saltos de todos os tamanhos e tipos, que nas pedras de Paraty jogam o charme na lama e fazem uma mulher desengonçada logo no primeiro passo.

Quando me proponho a esta diversão primeiro penso no incômodo de tentar pisar e não conseguir, penso em dores nas pernas e nas coxas, nas costas, no pescoço. Afinal, tudo dói quando não se pisa direito. Sem contar o risco iminente de uma torção. Eu já torci o tornozelo naquelas ruas e estava de tênis. Depois reflito: o que leva uma mulher a achar que consegue caminhar em Paraty de salto agulha? Pode ser desde falta de informação sobre a cidade até uma necessidade patológica de se exibir, que só Freud explicaria. Ou Nelson Rodrigues.

Lembro de um texto dele sobre uma grã-fina que estava lendo Marcuse, filósofo que encantou a rebeldia na década de 60. Ela quer, porque quer uma nota nos jornais sobre seu momento intelectual e consegue pelas mãos de um amigo jornalista influente. “Os simples, os românticos, os que não têm uma certa malícia não imaginam o que é, como é, o grã-finismo”, disse Nelson. E percebo que as grã-finas não mudaram a não ser no nome. Hoje são socialites e continuam querendo notas nos jornais, acreditam que podem exibir seus saltos em Paraty e, por algumas que conheço, chegariam à ousadia de querer o asfaltamento do centro histórico. Não duvido dessa possibilidade. Aliás, conheço uma que detesta Paraty justamente porque lá não pode exibir seus saltos. E diz isso com a boca bem aberta, em alto e bom som.

Por isso não duvido que também tentariam usar suas amizades influentes e até artimanhas inconfessáveis para criar um movimento contra as pedras de Paraty, com direito a cobertura da imprensa. E meus colegas fariam a cobertura, mesmo que fosse pelo espanto da iniciativa. Seria hilário. E sem dúvida um prato saboroso para o deleite de Nelson Rodrigues.

4 comentários:

Josephine disse...

Giovana, acho que nossas crônicas têm pés em comum! =)

Anônimo disse...

É "Gio" as grãs finas continuarão existindo sempre.
Conheço várias que dariam uns anos de sua vida para ser celebridade por uma noite.
Mas se elas fazem parte das nossas vidas, há a vantagem de que passam que nem um raio e não voltam. Aparecem outras, mas nunca as mesmas.

Claudio Brites disse...

Olá Giovana,
"Depois de ler isso é impossível não imaginar Nelson a observar o desfile das perseverantes equilibristas nas pedras de Paraty. O que pensaria?"
Eu lembro quando você disse que sua reflexão, essa ai, seria seu fio condutor... e que fio... dos pés você subiu pras cabeças daqueles que iam lá fazer pose... adorei...

Anônimo disse...

bom comeco