Por Érica Nering
Foto- Érica Nering
Em 18 anos de vida eu ainda não aprendi a fazer malas. Elas deveriam ser pequenas e conter apenas o necessário e suficiente para os dias que pretendo ficar fora. Mas isso já se tornara algo contra a minha natureza. Eu simplesmente não nasci para fazer malas. Elas sempre são bem maiores do que deveriam e eu sempre esqueço alguma coisa importante.
Desta vez estava decidida: a mala seria pequena e tudo seria minimamente planejado, para não faltar nada. O mês é julho, mas o efeito estufa já faz estragos. A previsão do tempo dizia: Sol e calor pela manhã e um friozinho à noite. Tudo pronto. Faltava o tênis. – Pega o menor! Dizia um lado da minha cabeça. – Pega o mais confortável! (esse era o outro lado).
Mas, o menor era aquele meu velho All Star que eu gostava tanto e que ainda sobrevive, apesar de minha mãe já ter tentado se livrar dele diversas vezes. Mas All Star que é All Star tem que ser velho e detonado. Sem falar que o clima alternativo de Parati era propício para meu xodozinho de lona. E assim, também, sobraria espaço para mais umas blusinhas. Essenciais. Fui para Parati certa de que tinha feito a melhor escolha.
Na chegada, era hora de conhecer a cidade. Assistir ao show da Orquestra Imperial e se acostumar com aquele clima literário que já começava a aflorar. E com as ruas de pedra. Lindas! Era isso que dava o charme da cidade histórica. Logo me adaptei à rotina (ou à falta dela) entre as mesas de debates, leituras de poesia nas ruas e muitas, eu disse MUITAS andanças.
E a lona do meu velho All Star já não parecia mais tão cool. Bolhas enormes começavam a se formar em todos os dez dedos que eu contabilizava em meus pés. Odiava aqueles tênis. E odiava aquelas ruas de pedra. Porque não eram ruas planas? Queria o meu Adidas jogado no armário, esquecido... E tão confortável. Os melhores momentos tornaram-se aqueles em que eu podia sentar. Não só porque eu parava de sentir as bolhas latejarem em meus pés cansados, mas também porque esse momento, geralmente, coincidia com aqueles em que eu assistia aos debates.
Muito escritor eu não conhecia direito. Alguns, só de ouvir falar. Outros, já teriam me proporcionado bons momentos com suas histórias. Eu sabia que estava aprendendo muito com aquelas pessoas. Escritores consagrados, com histórias distintas de vida. Guilherme Arriaga diria que “sofrer é uma decisão”. E, ao que parece, eu efetivamente decidi levar o All Star.
Mas, algo me fez refletir. Era uma leitura. A peça era “Um beijo no Asfalto”, do grande homenageado da Festa: Nelson Rodrigues. Eu senti que aquelas bolhas, o All Star e as ruas de pedra estavam conspirando contra mim e a favor dele. A leitura não passara despercebida. Tinha incomodado. E era esse o grande objetivo de Nelson com suas peças. Incomodar. Era um pacto entre as pedras irregulares e o anfitrião da Festa. Eles queriam incomodar. E não é que conseguiram?
quarta-feira, 25 de julho de 2007
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4 comentários:
Já tive oportunidade de torcer o tornozelo em Paraty, devidamente calçada com um tênis cano longo.
Pedras... hoje sei caminhá-las.
Beijos!
Érica,
no ano que vem, a gente caminha juntas. Quando a gente caminha torta por aqueles becos, o ângulo da vida passa a fazer sentido.
Bjs,
Simone Silveira
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