sábado, 15 de dezembro de 2007

Centenário

Esta crônica, publicada originalmente em 15 de janeiro de 2007 no Noga Bloga, foi responsável por minha seleção para a Oficina de Crônicas da Flip, e é com ela que homenageio, hoje, o centenário ilustre do dia. Obrigada por sua inspiração, Mestre Oscar. Nisso e em tudo o mais.

Hey, Óscar

Em minhas mais íntimas fantasias, me sinto igualzinha a qualquer celebridade (celebridade verdadeira, digo, como Picasso, Fellini, Caetano. Pina Bausch e outros do nível, nada de Ilha de Caras, por favor, que dessas não chego nem perto. Haha. Vocês notaram. Deixei o Philip Roth de fora, porque aí já seria pretensão demais). Não vejo diferença nenhuma entre o talento deles e o meu, mas como personalidade, é óbvio que o buraco é mais embaixo. Não sei o que me falta, gente: talvez um pouco mais de loucura, de ousadia, de um não-ligar-pro-que- alguém-pensa-de-mim. Ainda não cheguei lá mas vou me arrastando, penosamente, nessa direção.
Já meu marido Alan — ex-ator de improvisação, ex-mímico, ex-poeta trovador, ex-terapeuta e ex-milionário americano — é diferente. Deve ser por causa da idade, ou da arrogante (por natureza) nacionalidade, mas ele não só pensa que é igual às celebridades, como age como se celebridade fosse. Constrangedor.
Foi por isso que hesitei no outro dia, ao ver passar por nossa mesa de pizzaria, no Shopping Leblon, o grande Mestre Oscar.
— Olha lá, Alan. Tá vendo ali aquele senhor idoso, de bermuda e boné? Pois é o maior arquiteto do Brasil, e um dos melhores do mundo.
— É mesmo? E ele fez o quê?
— Brasília... Sambódromo... e mais não sei quantas sedes de partidos comunistas no mundo todo... (sendo gringo, o Alan não conhece outras maravilhas, como a Igrejinha da Pampulha, por exemplo, em Beagá)
— Como é o nome dele? - Engulo a língua. Hum. Já sei que vai dar problema:
— Oscar. Oscar Niemeyer. Este ano vai fazer 100 anos e acabou de se casar, olha como é bonita a esposa dele. Ele a chama de "filha". Todo mundo diz que foi por causa do dinheiro, mas eu não concordo. Em primeiro lugar, o Oscar é comunista convicto e trabalha até hoje, vai todo dia ao escritório; e, que eu saiba, fez muito projeto de graça, trabalhou principalmente pra governos. Quem é que ousaria pensar no Mestre Oscar pro projeto do prédio, da casa de praia? Em segundo, e nem por isso menos: já pensou que emoção, ser casada com o grande Oscar Niemeyer? Um gênio, e ainda por cima, um adorador confesso de mulher?
— Hum. Óscar, he? Óscar! Hey, Óscar!
Nossa. Não deu outra. Quase me enfio de timidez debaixo da mesa, mas Mestre Oscar já vem vindo em nossa direção, respondendo ao chamado. Confere o Alan - procurando se lembrar de onde o conhece - e já vai estendendo, simpático, a mão direita com um anel enorme no mindinho, a esquerda com uma aliança grossa. Disfarço mal o meu constrangimento:
— Pois é, Oscar. Meu marido é americano, e eu disse pra ele que você é o maior artista do Brasil.
— Exagero... Bem. Obrigado.
E lá se foi o Oscar, com um sorriso, em direção à mesa dele. Que homem. Qual será a receita de longevidade dele, hein? Hein? Seja qual for, funciona: o homem está aí, lúcido, ativo, nem bengala ele usa. Deve ser a arte, o talento, a mente inquieta, só pode. Não tem receita melhor de vida longa do que esta: trabalho, e criativo. Ah, sim. Muito amor também.
— See? No problem. É assim que você deve agir, se quiser ser um dia reconhecida - demonstra didático o Alan, meu mestre zen cuja orientação cotidiana não sigo nem um pouco: santo de casa, etc, etc. Mas ele está certo, é isso mesmo. Somos todos iguais perante a humanidade, e artista então... Se for de coração, é tudo irmão. Mesmo que só uns poucos tenham aquele quê a mais, além de uma obra surpreendente e única, que faz deles verdadeiras celebridades.

Ops. Posfácio rápido. Descobri mais tarde que o tal de “Oscar” não era “o” Oscar, que na época convalescia em casa de uma fratura. Não passava de um velhinho bem-humorado, que resolveu tirar o dia pra me fazer de boba. Ganhou, ganhou.

3 comentários:

anadangelo disse...

Bravo! Salve Oscar!

Giovana disse...

Excelente! Ele merece.
Beijos e parabéns. Você é brilhante. Quando eu crescer quero ser 'igualzim'.

Noga Sklar disse...

obrigada, parafraseando o falso Oscar, ora, o que é isso, Giovana. Beijo!