segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Um louco entre nós

Existe uma crença generalizada — apesar de improvável, e nunca até hoje confirmada — no poder do pensamento positivo, um escudo mágico que nos garante saúde, segurança e tranqüilidade. No pólo oposto do raciocínio não-lógico nos assombra o mito medieval de um encontro marcado com a morte: do seu dia, por mais que se faça, ninguém escapa. Entre estes dois extremos na escala do absurdo oscila o impulso da vida, nossa tendência nata para a sobrevivência, intocada pelo mistério da existência. Mas de vez em quando o equilíbrio se rompe, desfazendo a ilusão precária de uma ordem natural das coisas. Provoca o desastre. Desespero. Desesperança.
Quando penso no menino baleado — e desde sábado, baleado e morto — não sinto vontade de escrever. Sinto vontade de vomitar. E não há como apelar para o habitual culpado: é voz corrente aqui no bairro que o tiro partiu de nós. De mim. De você. Da porta ao lado.
Doze anos, gente. Doze anos. Uma mente virgem e um futuro moldável pela frente. Ouviu, cara? Você mesmo, você aí que não se sabe louco mas cede assim mesmo à tentação do impossível, você aí, que alimentado de violência do café à janta se olha no espelho e se julga herói, justiceiro, dono do mundo, com a bola toda. Dono da bala, você aí mesmo. Não se sente culpado? Oculto pelo anoitecer no anonimato da janela aberta, e ainda assim, culpado?
Não há desculpa pra nós: você, eu, o vizinho do lado. Doze anos e essa ração diária de insegurança, lida, ouvida, vivida e vista sem calcular o dano. Você aí.
O pior de tudo é que periga no escuro, com o dedo no gatilho daquela bala amarga, quem sabe: um outro menino inconsciente de apenas doze anos. Que embora continue vivo, já se sabe morto por dentro.

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