Ando meio desaparecida do Crônicos. Resolvi voltar com essa crônica que, certa vez, escrevi, mas para poucos mostrei. Acho que é a proximidade das férias e da saudosa Bahia...
Me vê 3 desse aí
Salvador, Bahia. Terra de sol, praia, água de coco e do povo manso. Do pelourinho, do farol, das baianas e seus acarajés quentes. Aliás, quente não é só a comida ou a temperatura indicativa de que estamos mais próximos ao equador. Quentes são as baianas e seu gingado. Felizes e com um papo que une esperteza, o manso e o gingado, os baianos também tentam ganhar a vida. Não rebolam ou usam longas saias brancas. Mas protagonizam momentos inesquecíveis, engraçados e, diríamos, de uma sinceridade singular. Para o feijão de cada dia, o jeito mesmo é rodar a baiana.
O dia era comum, as pessoas eram as mesmas, o momento era férias. Dar um jeitinho na cor branco-cândida da pele paulista. Era Salvador a salvadora. E eu só conseguia pensar que o mês era agosto e meus amigos estavam passando frio na cidade de concreto. A São Paulo. Sem entender ao certo o porquê das pessoas fazerem a migração do mar azul e límpido, que eu observava naquele momento, para o agradável odor do famoso rio Tietê. Eis que me surge um soteropolitano que preferira o mar. Ganhava a vida na praia. Em seus braços, fortes e bronzeados, uma infinidade de colares, pulseiras e brincos.
“Boa tarde, ‘dotô’. Vai um colarzinho para a namorada?”
Não, eu não queria. Também não namorava. E talvez o fato de ele me lembrar disso me chateasse um pouco.
“Não”
Ele iria embora, assim como todo e qualquer vendedor ambulante que encontro nas praias do Guarujá. A clientela era vasta e ele não perderia tempo demais, ali, comigo. Ledo engano. O baiano não é o paulista. Ou o baiano-paulista. O baiano tem no seu sangue a tal da ginga que eu comentei. E era com essa ginga que ele queria me conquistar. Eu não era só mais um. Para ele cada um é um e todos formam o seu ganha-pão. Ele estava disposto. Bem disposto.
“Calma senhor! Eu não quero vender nada não! Só quero conversar. Por que o que adianta eu vender isso aqui se amanhã eu vou morrer?”
Ai meu Deus. Lembrou-me da falta de namorada e ainda diz que eu posso morrer amanhã. Não.. Eu não quero morrer amanhã! Ainda sou novo. Quero ter filhos. Preciso conhecer a França.
“O senhor está de férias, eu estou de férias. É férias da vida, meu filho! Tá vendo esse pessoal todo aqui? Tá todo mundo de férias!”
Sim, férias. E depois de um ano de correria, trabalho árduo eu tinha as minhas férias. Agora, esse cara poderia sair um pouco da frente do sol. Me deixa quieto com as minhas férias!
“Olha moço, não vou querer o colar hoje não. Fica para a próxima.”
Ele sentou ao meu lado. Acho que não deu muito ouvidos para o que eu falei.
“Eu mesmo posso daqui a pouco ‘PÁ!’ morrer, tirar as minhas férias eternas. Daí, eu não vou levar nada comigo. Nada disso tudo aqui tem valor”.
E não é que o homem tinha razão? Mas eu não poderia dar o braço a torcer. Não teria ninguém para dar o colar, de qualquer forma. E, na verdade, não tinha muito dinheiro na hora. Só saíra com o dinheiro da cervejinha gelada. Pensei em levar o cara para uma empresa publicitária. Esse aí, certamente, ganharia muito dinheiro no ramo. Ou talvez abrir uma igreja. Seria um bom bispo. Arrecadaríamos mais dinheiro do que aquele bispo famoso que saiu no jornal.
“Então, o problema é que agora você me pegou um pouco desprevenido...”
Não concluí.
“Nada disso! Nem que o senhor me ofereça 30 reais por esse colar, eu não quero! Nem adianta tentar insistir. Eu quero só 10 reais. Não vou ter lucro nenhum, é só para pagar o preço da energia positiva!”
Aí. Energia positiva era algo do qual eu estava precisando. Muito mais do que um colar. E com essa frase, se o tal baiano de boa lábia fosse uma bela baiana de curvas bem torneadas, já tinha me conquistado ali. Na hora.
Resolvi levar o colar. O moço saiu com seu gingado pronto para conquistar mais uma alma. E talvez o colar não me trouxesse nada de mais. Mas aquela conversa me marcou. Talvez eu a leve por muito mais tempo do que o colar, que eu já nem sei onde deixei. Era o calor baiano. Voltei para São Paulo de férias ainda. Afinal, se não vivemos, deveríamos todos viver de férias. Sempre. Antes daquelas eternas, viver. Porque eu posso, ‘pá!’, morrer agora.
Aqueles 10 reais não pagaram nem a menor parcela da energia positiva que eu levei. E oportunidades de bons negócios assim, só aparecem uma vez na vida. Melhor não desperdiçar.
domingo, 16 de dezembro de 2007
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