quinta-feira, 25 de outubro de 2007

When it rains, it pours

Chuva no Rio sempre foi motivo de transtorno. Antigamente, começava o verão e a gente já sabia: vai ter gente morrendo, perdendo casa, faltando ao trabalho.
Nos tempos da Pólen me vi uma vez quase afogada em Madureira, e olhem, não tinha celular naquele tempo não. A gente ficava presa no trânsito e não tinha nem como avisar em casa, que dirá bater um papo (ou fotografar o caos e mandar um torpedo) pra se distrair. Nesse dia de Madureira o que me restou foi me conformar, estacionar o carro — é. naquela época eu tinha um. tive até motorista por um tempo, gente, sério: um preto supercharmoso, o Aloísio, que me levava pra lá e pra cá... num bugre vermelho sem capota, acreditem —, e esperar no bar a chuva melhorar, entre um chope e outro. Depois trabalhei na Fundição Progresso, pra quem não sabia fui produtora de artes plásticas lá durante o governo Collor (?), e lá vem verão, e chuva, e ruas alagadas e eu afogada de novo, o carro morto na Glória. Sem glória nenhuma, só o jantar forçado no alemão que tinha lá. A gente até aprendia a enxugar as velas naquela época, será que era isso mesmo? Ou vocês pensavam que nunca houve um tempo sem injeção eletrônica, me perdoem se estou falando besteira. Apesar de ter um irmão peagadê no assunto, não entendo nadinha de carro, e como todo mundo sabe, já nem tenho um. Desisti. Embora goste, de vez em quando, de dirigir sem rumo. E sem chuva, é claro.
O pior ainda não contei. Quando eu vivia em São Conrado, ao alcance das balas perdidas da Rocinha quando balas perdidas nem eram notícia ainda, fiquei ilhada na minha casa por quatro dias seguidos. Eu morava sozinha naquele baixio da curva, perto da Sendas, onde a rua sempre, sempre alagava quando chovia. Mas daquela vez foi um desastre. Não fiquei tão mal, é claro, quanto os pobres coitados que na mesma chuva perderam vida, casa, tudo. Só perdi tempo e um pouco de paciência, mas que me senti flagelada é fato. Começou não tendo luz. Depois cortaram o telefone e o gás. A água do prédio, ironia, acabou. Só sobrou a virada da minha piscina de fibra azul-clara, que salvou a paz olfativa de muita gente no prédio, fala sério: não servia pra cozinhar, mas pra outra coisa rolava, e tudo bem: toca pra frente até a água baixar, a gente enrolada na nossa arquinha esquecida de noé. Depois disso, claro, e não só por isso (o tráfego de balas também aumentou) acabei vendendo, pela metade do preço, a bela cobertura duplex de São Conrado. Os flagelados de Rio das Pedras levaram 90% das minhas belas roupas quando eu decidi optar pela simplicidade voluntária, já morando no Alto Leblon, onde qualquer chuvinha nos proporciona uma versão privada das Cataratas do Iguaçu.
Hoje estou com mais sorte. Graças ao advento do computador, da internet, do celular e dos blogs — não necessariamente nessa ordem —, trabalho em casa. Se chove, não saio e pronto. Tá certo. É o maior privilégio, a não ser, é claro, quando a gente não ganha nem um tostão há anos, e a grana não dá nem pra academia. Ah, gente, essa aí foi apelação mesmo: não vou mais à academia por vontade própria, e quando chove no Rio, depois da — segundo o jornal — mais longa seca desde 1997, perco a contragosto o meu exercício diário: um tremendo transtorno. Tenho que me virar sem a minha dose cotidiana de serotonina na veia, fazer o quê.
Pelo menos fico sabendo, pela internet — é, porque hoje, devido às chuvas, o jornal atrasou —, que a tendência ao otimismo não só é humana, mas até bem normal: uma estratégia natural de sobrevivência, embora tentem, a todo custo, nos tirar este remédio natural do estojo de emergência.
Choveu, tá ruim. Não choveu, tá ruim. Acabo concluindo é que repórter urbano é jovem demais pra conhecer a história dessa cidade, Rio que me seduz, de dia falta água de noite falta luz. O que não justifica os desastres, claro, nem o desleixo da prefeitura, mas vamos combinar: caíram menos encostas desta vez, e mesmo gente, até que morreu menos. Vai ver é porque com o tiroteio nos morros não sobrou ninguém pra morrer no desabamento. Ponto pro tráfico liberado de drogas.

Um comentário:

Lucas dos Anjos disse...

Legal o blog. Gostei de conhecer.

Abraços para a turma.

Lucas