sábado, 20 de outubro de 2007

Porque hoje é sábado:
reflexões impublicáveis de uma vaca judia



Por trás da beleza divina, da genialidade dos gestos, da história triste de exílio e infância pobre de Rudolf Nureyev, o deus da dança do século 20, não seria difícil imaginar a existência (como se viu, nem tão) oculta de um verdadeiro "monstro sagrado", como o descreve em sua "afetuosa" biografia a inglesa Julie Kavanagh. Mas pelo que se lê no artigo de Marília Martins publicado no Globo de hoje, e na resenha linkada do Guardian, a coisa era ainda pior. Como todos os amantes da dança de minha geração sempre babei por Nureyev, a quem nunca tive a oportunidade de assistir no palco. Nem por isso achei agradável saber que o ídolo "transava com homens por paixão e com mulheres por interesse", traía seus mecenas e ainda por cima os ofendia em público, como fez com Jane Hermann, diretora do Met, ao chamá-la de "jewish cunt" num restaurante.
Mas deixa isso pra lá porque hoje é sábado, dia de indulgências, de ficar à vontade, de recair em vícios que vimos combatendo com grande empenho. Calma, gente. Não estou falando de ler e citar o jornal, mas da mania auto-imune de extrair verruguinhas e casquinhas de ferida com a unha, arrancando sangue da minha pele fina.
Confissões à parte, não vou me estender demais, vocês sabem. Como toda mulher moderna, enfrento todo dia uma jornada dupla, ultimamente tripla, é: sou escritora, agora benfeitora das artes, e last but not least não tive filhos mas tenho marido, o que todo mundo sabe, dá um trabalho danado. (Todo mundo sempre soube mas foi Cecília Troiano quem escreveu a respeito, em seu "Vida de Equilibrista".) Não é à toa que estou sempre exausta. Ultimamente mais ainda, porque não durmo há dias. Basta eu cair naquele sono gostoso, debaixo do meu cobertor de lã, pra acordar meia hora mais tarde morrendo de sede e calor, suada, com a mente ocupada em destrinchar mais um detalhezinho do meu projeto de Mecenato: a última idéia é montar uma loja online pra vender os livros, fotos, desenhos e esculturas dos MeMo's a preço voluntário, num contato direto do artista com o seu consumi... ops: admirador. É, gente. Depois dos Radioheads, preço voluntário é o último hit, que Creative Commons que nada. Mais sobre isso mais tarde, isso é, bem mais tarde, porque neste sábado, fala sério, preciso:
- ler o jornal atrasado da semana inteira
- ler o New York Times com ênfase para o Book Review
- terminar meu projeto MeMo para entregar ao MinC
- preparar um superespaguete ao molho fresco de manjericão orgânico
- dar atenção ao maridinho, coitado, seduzido, esquecido e abandonado
Isso, claro, se eu não ceder à tentação de passar o sábado inteiro montando a estrutura da tal da loja MeMo, mais um item delirante no meu sonho de "fazer pelos outros o que queres que façam por ti".
Pra terminar, pode até ser que eu esteja ficando burra — ou quem sabe simplesmente exausta —, mas não consegui entender se a resenha do badaladíssimo romance novo de João Paulo Cuenca, no Prosa de hoje, elogia ou critica. A coisa é por demais morde-e-assopra, e na minha memória só sobrou uma frase: "O Dia Mastroianni" não busca profundidade. O que para mim bastou, porque o "ritmo e velocidade, impactos e sustos, personagens se drogando, se embebedando e trepando sem afeto" passam uma impressão ensurdecedora de barulho, e como muito bem diz Frei Betto, "há demasiados ruídos à nossa volta". Temos direito a um pouco de silêncio, pelo menos aos sábados. E a esperar que valha a pena essa nova vida de mecenas moderna... que meu projeto "pegue" e que meus futuros protegidos, entre os quais se inclui meu eu escritora, não decidam um dia se voltar publicamente contra mim.

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