terça-feira, 27 de novembro de 2007

UM COPO DE ARROZ CRU

E mordida de jegue é arroz-doce? Pense uma vida difícil. É ônibus, trem, dia quente. Meu marido mantinha a casa. Cobrador. Venceu na vida. Não sofria mais em obra. Pegar peso, quebrar pedra. Deixou a unha crescer. Do dedo mindinho. Assim. Tem estilo. Não peleja mais com braço. Trabalha com a inteligência! Cobrador. Venceu na vida. Tenha estilo! Ele tem. O meu marido.
Mas pense uma vida difícil. Muita conta. Muito carnê. Mas tinha fogão e tevê! A geladeira já estava atrasada. O dinheiro é que a gente vai ver. Tia Nêga bem que me disse.
– Pega um copo de arroz cru! Bota no canto da sala. Assim atrás do sofá. Que ninguém vê e ninguém sabe.
Diz que traz abundância, não sei. Tenha estilo! Não pense bestagem! Abundância é coisa de comer! Que não deixa faltar. Passar fome. Fartura? Isso! Fartura.
Apois pense uma vida difícil. E traficante não pede pedágio? Pra quem vai trabalhar! Tinha que acordar mais cedo! Pra não ter que pagar. Tenha estilo! Não dou dinheiro pra safado! Cortaram a cabeça de meu neto. Largaram no ponto de ônibus. No banco assim de graça.
Pense uma vida difícil! É dinheiro do tráfico, trem. Do busão e até do ladrão! É muito dinheiro que gasta. Pra ir trabalhar.
E gente velha parece desgraça. Ninguém quer bangalô três vezes! Meu marido tem estilo,viu? Deixou a unha crescer. Do dedo mindinho. Comprida assim. A firma não quis mais ele. Afirma não ter dinheiro. A fim de cortar o custo. Mas meu marido é Zé Augusto. Meu marido tem estilo. Comprida assim. Deixou a unha.
Já fez bem um ano assim. Sem emprego, dinheiro, doente. O carnê indo atrás da gente. Eu tinha fogão e tevê! A geladeira já levaram. O resto tive que vender. Um ano a pão e água.
Mas ontem o pão acabou. Bem no inverno, a comida esgotou. Na noite em que eu ia morrer, de fato, de fome, fraqueza. Ao chão, moribundos, com frio. Encontramos no copo o arroz cru.
Tenha estilo! Fiz logo um sopão! Comemos. Sorrimos. Dormimos. Tia Nêga não tinha razão? Não morremos de fome à noite. Pra passar por mais fome de dia. Dinheiro? Não. Tenha estilo! Vim aqui atrás de serviço.

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