quinta-feira, 22 de novembro de 2007


A fuga do espírito natalino
No escritório

- Tira aí, vamos circular o pote!

Rosana passa à frente o pote com vários papeizinhos dobrados, contendo os nomes dos colegas da sala. Novembro está terminando e já está mais do que na hora de tirar o amigo-oculto, que será descoberto na tradicional festa de confraternização.

Quem está na sala retira seu passaporte para o grande encontro de fim de ano. A maioria faz cara feia. Alguns até pedem para tirar novamente. Então, amigo-oculto serve para quê?

De um lado, para facilitar a quem não tem grana, poder comprar um presentinho só, em vez de presentear a todos.

De outro, o amigo-oculto é considerado uma animação essencial.

- Se não tiver, não tem festa! – alguém diz.

Mas, no fundo, o ambiente nem é tão amigável; do contrário não haveria narizes torcidos ao ler o nome escrito na tirinha de papel.

A própria Rosana não gosta de amigo-oculto. Diz que é uma imposição circunstancial de um grupo que tenta provar o impossível em uma efêmera festa de confraternização. Manu, da mesa ao lado, também não, por este e por outro motivo. Não quer gastar o dinheiro que não tem para comprar presente para uma pessoa que não está a fim de presentear. E por conta disso acabam provocando um mal-estar na sala.

- Ih! Tirei eu mesma. – avisa Rosana – É uma boa hora para desistir e retirar meu nome do pote. Pronto, gente, tô fora.

Rosana se exclui da brincadeira, sem aviso prévio, enquanto olhos estatelados a encaram.

No meio da discussão que segue a decisão de Rosana, Manu aproveita a deixa e pula fora, de mansinho, dizendo que não gosta de amigo-oculto, e que também não quer participar.

Aí o pote transborda!

- Mas isso é sacanagem! – reclama um.

- Eu também não comemoro Natal, mas penso que devemos conviver em sociedade, por isso participo. – retruca o outro.

E Manu não deixa pra depois:

- Assim não tem mérito. Sou obrigada a dar presente a alguém a contragosto e isso é conviver em sociedade? Acho melhor ser democrática, honesta, poder dizer e fazer o que quero ou não. Me sinto melhor diante dos meus colegas.

Silêncio.

O chefe, tentando aparentar calma, propõe o retorno à discussão no dia seguinte. Mas, a esta altura, o estrago já está feito; as caras feias e trombas já estão armadas.

Amanhã, discutir o quê?

Rosana e Manu ainda trocam um papo pelo MSN, sobre a imperdível oportunidade que tiveram de ficar caladas.

E o espírito natalino, que estava quase a bater na porta, sai de fininho, porque na verdade nem chegaria a entrar, num ambiente assim, socialmente frágil, de relações que já nascem partidas.

Um comentário:

Claudio Brites disse...

Estava sumido, a vida mudou, vou ser pai ... loucura
adorei seu texto, vou ler pras crianças com quem trabalho.
beijos