quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Para nós, os Amaldiçoados

De Simone Silveira Kaplan


Eu não sou eu nem sou o outro,

Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédioQue vai de mim para o outro.

O Outro, Composição: Adriana Calcanhotto / Mário de Sá-Carneiro



Como artista, eu sou amaldiçoada. Mais cedo ou mais tarde, serei sacrificada. A minha arte não me defende. Ela invade o espaço do outro e perturba o conforto alheio.

Tenho tanta coisa linda pra falar, pra mostrar, há beleza em mim certamente. Se tenho que falar do belo, não sei escrever. Escrevo mal. Esqueço. Quem escreve sabe. O artista quer tudo aquilo que não está terminado. Só o esboço lhe interessa. Um mundo belo é um mundo acabado. Há os poemas perfeitos que nascem aleatoriamente. São magníficos mas caem em esquecimento. Estes nascem no momento da ação que o inspira. Todo poeta já vivenciou estar distraído e ver o poema surgir do nada, ditado pela própria voz muda de dentro de si. Por estar distraído, o poeta ouve os versos, mas minutos depois não pode lembrá-los. Este poema é o poema belo. Todos os outros, são frutos do trabalho, do artista artesão, que trabalha na forma, no som, na linguagem, frutos de um ambiente imperfeito. O artista cria através do exercício da doação, da exposição. Não estão distraídos e assim podem se colocar na linha de fogo. Podem ser sacrificados. Revelar um mundo exterior imperfeito para transformá-lo pode ser crime. Revelar o mundo interior do homem, também.

Sim, nós, os artistas, os invisíveis, enxergamos este mundo em ruínas e queremos paz, queremos o verde infinito visto do alto do morro. Existirá enfim esta possibilidade, para nós, os amaldiçoados?




Um comentário:

anadangelo disse...

amorsh, donde estavas?