terça-feira, 27 de novembro de 2007

UM COPO DE ARROZ CRU

E mordida de jegue é arroz-doce? Pense uma vida difícil. É ônibus, trem, dia quente. Meu marido mantinha a casa. Cobrador. Venceu na vida. Não sofria mais em obra. Pegar peso, quebrar pedra. Deixou a unha crescer. Do dedo mindinho. Assim. Tem estilo. Não peleja mais com braço. Trabalha com a inteligência! Cobrador. Venceu na vida. Tenha estilo! Ele tem. O meu marido.
Mas pense uma vida difícil. Muita conta. Muito carnê. Mas tinha fogão e tevê! A geladeira já estava atrasada. O dinheiro é que a gente vai ver. Tia Nêga bem que me disse.
– Pega um copo de arroz cru! Bota no canto da sala. Assim atrás do sofá. Que ninguém vê e ninguém sabe.
Diz que traz abundância, não sei. Tenha estilo! Não pense bestagem! Abundância é coisa de comer! Que não deixa faltar. Passar fome. Fartura? Isso! Fartura.
Apois pense uma vida difícil. E traficante não pede pedágio? Pra quem vai trabalhar! Tinha que acordar mais cedo! Pra não ter que pagar. Tenha estilo! Não dou dinheiro pra safado! Cortaram a cabeça de meu neto. Largaram no ponto de ônibus. No banco assim de graça.
Pense uma vida difícil! É dinheiro do tráfico, trem. Do busão e até do ladrão! É muito dinheiro que gasta. Pra ir trabalhar.
E gente velha parece desgraça. Ninguém quer bangalô três vezes! Meu marido tem estilo,viu? Deixou a unha crescer. Do dedo mindinho. Comprida assim. A firma não quis mais ele. Afirma não ter dinheiro. A fim de cortar o custo. Mas meu marido é Zé Augusto. Meu marido tem estilo. Comprida assim. Deixou a unha.
Já fez bem um ano assim. Sem emprego, dinheiro, doente. O carnê indo atrás da gente. Eu tinha fogão e tevê! A geladeira já levaram. O resto tive que vender. Um ano a pão e água.
Mas ontem o pão acabou. Bem no inverno, a comida esgotou. Na noite em que eu ia morrer, de fato, de fome, fraqueza. Ao chão, moribundos, com frio. Encontramos no copo o arroz cru.
Tenha estilo! Fiz logo um sopão! Comemos. Sorrimos. Dormimos. Tia Nêga não tinha razão? Não morremos de fome à noite. Pra passar por mais fome de dia. Dinheiro? Não. Tenha estilo! Vim aqui atrás de serviço.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007


A fuga do espírito natalino
No escritório

- Tira aí, vamos circular o pote!

Rosana passa à frente o pote com vários papeizinhos dobrados, contendo os nomes dos colegas da sala. Novembro está terminando e já está mais do que na hora de tirar o amigo-oculto, que será descoberto na tradicional festa de confraternização.

Quem está na sala retira seu passaporte para o grande encontro de fim de ano. A maioria faz cara feia. Alguns até pedem para tirar novamente. Então, amigo-oculto serve para quê?

De um lado, para facilitar a quem não tem grana, poder comprar um presentinho só, em vez de presentear a todos.

De outro, o amigo-oculto é considerado uma animação essencial.

- Se não tiver, não tem festa! – alguém diz.

Mas, no fundo, o ambiente nem é tão amigável; do contrário não haveria narizes torcidos ao ler o nome escrito na tirinha de papel.

A própria Rosana não gosta de amigo-oculto. Diz que é uma imposição circunstancial de um grupo que tenta provar o impossível em uma efêmera festa de confraternização. Manu, da mesa ao lado, também não, por este e por outro motivo. Não quer gastar o dinheiro que não tem para comprar presente para uma pessoa que não está a fim de presentear. E por conta disso acabam provocando um mal-estar na sala.

- Ih! Tirei eu mesma. – avisa Rosana – É uma boa hora para desistir e retirar meu nome do pote. Pronto, gente, tô fora.

Rosana se exclui da brincadeira, sem aviso prévio, enquanto olhos estatelados a encaram.

No meio da discussão que segue a decisão de Rosana, Manu aproveita a deixa e pula fora, de mansinho, dizendo que não gosta de amigo-oculto, e que também não quer participar.

Aí o pote transborda!

- Mas isso é sacanagem! – reclama um.

- Eu também não comemoro Natal, mas penso que devemos conviver em sociedade, por isso participo. – retruca o outro.

E Manu não deixa pra depois:

- Assim não tem mérito. Sou obrigada a dar presente a alguém a contragosto e isso é conviver em sociedade? Acho melhor ser democrática, honesta, poder dizer e fazer o que quero ou não. Me sinto melhor diante dos meus colegas.

Silêncio.

O chefe, tentando aparentar calma, propõe o retorno à discussão no dia seguinte. Mas, a esta altura, o estrago já está feito; as caras feias e trombas já estão armadas.

Amanhã, discutir o quê?

Rosana e Manu ainda trocam um papo pelo MSN, sobre a imperdível oportunidade que tiveram de ficar caladas.

E o espírito natalino, que estava quase a bater na porta, sai de fininho, porque na verdade nem chegaria a entrar, num ambiente assim, socialmente frágil, de relações que já nascem partidas.

They sculpt horses, don't they?


No IMDB uma espectadora descreve o filme, de 38 anos atrás, como uma história triste, de gente desesperada numa época de desespero, tentando ganhar alguns trocados durante a Grande Depressão americana. Em "They Shoot Horses, Don't They?" (em português, "A Noite dos Desesperados"), de Sydney Pollack, baseado no romance homônimo de Horace McCoy — à venda na Livraria Cultura —, Jane Fonda participa de uma maratona de dança meio suicida e acaba assassinada.
Já hoje de manhã em Ipanema, em frente à Casa de Cultura Laura Alvim, os escultores de areia Oscar, da Argentina, e Eduard, da Colômbia, bem que precisavam de uma grana, mas não me pareceram tão desesperados assim. Com um talento inesperado, à altura dramática de um Pollack, tentam faturar algum com seus cavalos hiper-realistas. Gente. Nunca vi nada tão impressionante em matéria de escultura na areia. A gente fica esperando os cavalos se levantarem e saírem a galope a qualquer momento, pra não dizer que o expressivo olhar pidão deles faz a gente sem querer botar a mão no bolso. Vale conferir, antes que se desmanchem.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Vontade de pedra

E a montanha se levantou. Esticou suas pernas atrofiadas pelos séculos de repouso e começou a caminhar. A fauna que habitava nela pensou enlouquecer e se suicidou, a flora invejou a coragem da casa em abandonar as raízes. Ela suava rochedos no esforço de ir com delicadeza para não machucar muito o mundo com suas pisadas. O bater dos dobramentos e o esfregar de suas chinelas determinavam novos caminhos para rios e novas moradias para cânions. A neve rolava casposa por sua cabeça refrescando o cansaço da ousadia. Os vales se acompridavam esperando que ali ela parasse; cordilheiras a convidavam para festejar e à estar um pouco mais com elas; algumas a revelia, sorrindo preconceitos; o mar abria os braços para acolher a nova visitante; o mundo físico e político era redesenhado pela caminhante. Os homens fingiam não ver. Difícil aceitar uma montanha, assim, caminhando livre por onde queria. Ela mesma não queria muito, mas a vontade de outro a impelia. E ela ia andando e andando. Rangia seus pensamentos empoeirados e admirava a paisagem que pela primeira vez mudava. O coração de pedra agitado, mais quente que nunca lembrava os tempos de vulcão. Os pássaros atropelados como mosquitos em uma rodovia. Muitas cidades deixavam de existir. Meio triste e pesarosa pelos estragos a montanha titubeava se parar, mas logo lembrava do motivo de ter se levantado e ia e ia. E foi e chegou. Acomodou-se felina na planície onde ficaria para sempre, ou até um novo bom motivo para se mudar. Encaixou suas escarpas retumbando um suspiro satisfeito. E antes dela voltar ao seu silêncio de acidente geográfico, meneou o cume para os dois olhos que a contemplavam com fé.

terça-feira, 20 de novembro de 2007


Que venha o Natal

É inevitável. Todo ano, nesta mesma época, escrevo algumas linhas sobre Natal, fim do ano, meus sentimentos em relação a esse momento turbulento do nosso calendário. Já me confessei avessa a tudo isso. Há muito tempo deixei de gostar das festas natalinas, da própria ceia familiar também. Quando entra o mês de novembro e ouço os conhecidíssimos jingles das grandes lojas, me arrepio. Pronto. Vai começar tudo de novo.

Já não consigo sentir o tal espírito de Natal que todo o mundo fala. Claro, sei que ele existe; é uma questão de energia. Mas, a meu ver, ele ficou esquecido um tempo atrás desse tempo que vivemos hoje. Do consumismo psicopatológico, das confraternizações regadas a litros de bebida alcoólica e às conseqüentes centenas de acidentes, muitos deles fatais. Isso é espírito natalino?

Já não encontro mais paciência para sair de casa dirigindo meu carro (e olha que moro em cidade pequena). É trânsito lento, todos querendo encontrar vaga no mesmo lugar na área central da cidade, buzina pra todo lado, motorista nervozinho (aquele que sempre acha que sua pressa é maior que a dos outros), esbarra-esbarra dentro do shopping, fila em restaurante. Também não vejo espírito natalino nessa efervescência.

Quem me lê poderá dizer que sou uma chata, fria e insensível. Talvez. Tornei-me exigente, acredito. Aprendi desde pequena qual o verdadeiro sentido do Natal, o porquê dele existir e creio que isso não mudou. As pessoas é que mudaram, exacerbaram a festa, que deveria ser meditativa e fraterna, transformando-a muitas vezes em um carnaval consumista. Só se pensa em presente, churrasco, bebidas, presente, churrasco, bebidas e... o que mais?

Chega a ser deprimente o número de jovens pelas ruas, exibindo suas latas de cerveja como se fossem troféus. Com gritos de “É Natal! É Natal!”, saem na madrugada, com braços e corpos para fora dos carros, festejando... o quê?

Ninguém pense que não promovo e curto meu Natal, meio às avessas, é claro, mas cumpro o ritual. Já montei minha árvore junto com meu filho, instalei e acendi as luzes do anjinho pendurado na janela, e ainda estou procurando uma guirlanda ao meu gosto para a porta. O filhote reclamou de poucas luzes, portanto, penso em comprar e instalar mais. E vamos preparar a casa para o Natal!

Enfim, vou passar por todo o roteiro de compras, visitas, encontros, confraternizações, igualzinho ao do ano passado, que no próximo ano vai ser igual novamente, e no outro, e no outro. Não gostar disso ou daquilo, ficar triste com esse ou aquele, me irritar com outro montão de coisas e situações. Não tenho escapatória, a não ser me trancar em casa, tomar um sonífero e acordar dia 5 de janeiro. Como não vai dar para ser assim, que venha o Natal. Vou fazer tudo direitinho, como mamãe ensinou.

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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

do são joão a são paulo

a saga de anita
Parte I
(Marina, a colega de escritório, hypada, magra, jovem vinda de vitória pra estrear em sao paulo de piercing no umbigo)
- Olha, olha Ana, o corpo!
(Anita) - Cadê? Tem espetáculo novo??
- A Daniela Sarayba na praia, loca, se liga!
- Ahnn...

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Para nós, os Amaldiçoados

De Simone Silveira Kaplan


Eu não sou eu nem sou o outro,

Sou qualquer coisa de intermédio:

Pilar da ponte de tédioQue vai de mim para o outro.

O Outro, Composição: Adriana Calcanhotto / Mário de Sá-Carneiro



Como artista, eu sou amaldiçoada. Mais cedo ou mais tarde, serei sacrificada. A minha arte não me defende. Ela invade o espaço do outro e perturba o conforto alheio.

Tenho tanta coisa linda pra falar, pra mostrar, há beleza em mim certamente. Se tenho que falar do belo, não sei escrever. Escrevo mal. Esqueço. Quem escreve sabe. O artista quer tudo aquilo que não está terminado. Só o esboço lhe interessa. Um mundo belo é um mundo acabado. Há os poemas perfeitos que nascem aleatoriamente. São magníficos mas caem em esquecimento. Estes nascem no momento da ação que o inspira. Todo poeta já vivenciou estar distraído e ver o poema surgir do nada, ditado pela própria voz muda de dentro de si. Por estar distraído, o poeta ouve os versos, mas minutos depois não pode lembrá-los. Este poema é o poema belo. Todos os outros, são frutos do trabalho, do artista artesão, que trabalha na forma, no som, na linguagem, frutos de um ambiente imperfeito. O artista cria através do exercício da doação, da exposição. Não estão distraídos e assim podem se colocar na linha de fogo. Podem ser sacrificados. Revelar um mundo exterior imperfeito para transformá-lo pode ser crime. Revelar o mundo interior do homem, também.

Sim, nós, os artistas, os invisíveis, enxergamos este mundo em ruínas e queremos paz, queremos o verde infinito visto do alto do morro. Existirá enfim esta possibilidade, para nós, os amaldiçoados?




segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Imediatamente

Eu juro, eu tenho muita coisa para fazer, eu juro. mas, abro um envelope que deixaram, como que despretensiosamente numa livraria e encontro um site vou até o site, é um livro, então, retomo volto a falar dos lidos. O envelope trazia escrito: Isto é para você. ABRA IMEDIATAMENTE . O que me parecia mais uma tentativa artesanal de alguém para fazer lerem seus livros, aparece-me como excelente marketing de uma grande empresa. De livros, ainda bem. Ainda bem que fazem bom marketing também nos livros.Nos outros países há muito fazem. Há muito que o livro é uma coca-cola(também). o progresso chega lento, vcs sabem e vai levando muita coisa junto com o atraso... e então eu fico meio deseperada, lembro de um poema meu... dentro de pouco tempo todo mundo vai ser artista... eu juro... eu fico meio desesperada... mas, lembro de uma artista bem mais experiente do que eu, por acaso o nome dela é bem conhecido, por acaso ela não é escritora, por acaso ela também não é só esteta, por acaso ela mexe com artes plásticas, mas, poderia ser com qualquer outra arte e diz: liga não. isso passa. não sei se passa, mas, assusta. tenho certeza, no entanto, q ela está certa: tudo passa. e passa muito e passa rindo. mas o passado é o que importa e nem tudo vira passado, muita coisa vira pó. e para virar passado um bom marketing não garante. ajuda, com certeza e isso não é pecar. barbárie é sentar à mesa sem sentir mal-estar ********************************* Sobre cows - Cá entre nós eu vou dizer-lhes o que achei da vaca na primeira vez que vi... e isso há de causar polêmica, porque todo mundo está adorando as vacas. não tenho nada contra as vacas, muito ao contrário, acho que enfeitam a cidade, fazerm rir. mas, não encarei como arte. espero que ninguém esteja encarando assim... (espero q não haja um silêncio agora). fui informada de que é um evento mundial. que não nasceu aqui... mas, e daí... estamos falando sobre vacas e não sobre auto-estima do brasileiro, legitimidade do autor... pelo amor de Deus. é só olhar e tentar ver ou responder: aquilo é ou não é algo que te reposiciona no mundo? a mim, reposiciona muito mais a vaca quando avacalhada - por favor devagar com o spray, cuidado com o meu olho. ou com a vaca que foi atacada pelas crianças da Lapa. do contrário, seria melhor proteger as vacas de verdade, ou o mundo dos seus gases, segundo alguns naturebas... ora, bolas. mas, que o movimento está bacana, está. dá uma mexida em todo mundo. é legal ver as adolescentes posando ao lado da vaca, sorrindo, como se aquilo fôsse uma espécie de signo da inteligência da humanidade. isso também acho que é intervenção (não o ato das adolescentes mas o ato de ensejar o sorriso delas) e aí, eu paro para pensar sobre estas vacas novamente. será que eu não fui enganada? será que não fui sagaz o suficiente para perceber? Meu Deus, então é isso? será que a idéia não é mesmo essa? ser der tempo vou procurar me informar se há reverberação sobre isso. mas, virando os olhos para um outro lado, tenho aqui no meu colo o livro Embarcações de Luís Serguilha. O livro tem um projeto gráfico respeítável. Os designers gráficos estão mandando brasa e a era do computador facilita o trabalho de toda essa gente boa. A editora é Ausência (achei o título interessante para uma editora de livros), e vem de Portugal: Proteger a dosagem das confidências/ na elasticidade semelhante aos velocípedes da morfina/ que sincroniza os brônquios dos sítios luminescentes/ sobre os baluartes das contemporâneas dissipações/ e as carumas das têmporas lunares incorporam/ o reboco portuário.

Sim, eu disse a mesma coisa para mim mesma: mas, que palhaçada é esta? Como pode um livro tão bem cuidado trazer a primeira estrofe assim. o que o autor está querendo com isso? ele sabe o quanto o tempo é precioso? e continuando a leitura eu fui informada por mim mesma que o movimento surrealista ainda ecoa em algumas pessoas com uma força tão violenta que não adianta dizer a elas que a contemporaneidade cuida de vacas e latas de sopa, por exemplo, o que o minimalismo é algo muito contundente, de uma profundidade que só e compreendida quando se ouve john cage...e aí vem a lembrança de Joyce que também não dizia coisa com coisa e tem seguidores e que eu admiro como a palma de minha mão que não conheço, mas, não é sobre isso também e tudo se explica no reboco portuário. sim, não era palhaçada, o homem não é um idiota, ele faz seu poema, e usa o que quiser. com reboco portuário ele fecha a porta. não sei se me entendem. mas, espero que ao menos serguilha entenda que eu estou fazendo um elogio. ou melhor, que estou dizendo que há poema, não há brincadeira. que há uma brincadeira de verdade, isso sim, o que é a arte. sempre do meu ponto de vista, claro, aliás. Então o leitor terá o trabalho de tentar decifrar o que o poeta mandou dizer. sim... sim, senhor. mas, calma, não é bem assim. não é nada obrigatório. o leitor vai tentar cavucar o imaginário do poeta ou simplesmente navegar nos símbolos. quanto ao imaginário, creio que a porta está fechada para nós. imagino que estudando o autor profundamente, nós possamos chegar a um nível de entedimento primário que talvez ele próprio desconheça e que seguramente será tão desinteressante para nós como são nossas próprias mazelas, talvez, para ser otimista, à la Bergman... então, é melhor ir para o mundo dos signos, sem tentar achar o caminho certo. tentar escorregar pelas folhas que navegam soltas pelos mares deste poeta português. acrescente-se a isso que o poeta espalha seus versos como se fossem folhas sobre a água mesmo. eles se espraiam, como ondas. não seguem uma sequência tradicional de versos um embaixo do outto. coisa entediante, diria. mas, para fazer diferente é preciso ter proposta sempre, do contrário, a gente vai ficar bem triste. então, a primeira parada foi reboco portuário. Continuemos:
reconduzido instantaneamente/ pelo interruptor arvorado das merendas pubianas/ As bainhas interpoladas das anémonas seduzem /as silabarias terminativas das carótidas/ que ampliam prodigiosamente /os apeamentos dos diamantes hemisféricos/ sobre a bifurcação da plaina codificadora/ Os bandos magistrais da desordenada anatomia.

eu pararia aqui para respirar. sim, acho que aqui tem uma pausa. eu perguntaria ao poeta: poeta, aqui é uma pausa? porque não há nada que indique senão a própria anatomia do poema. nós o estamos vendo e percebemos que aqui em desordenada anatomia há um corte, uma quebra. como uma vírgula que não há, como algo que repousa. E sua anatomia não tem nada de desordenada, diga-se de passagem. Ele prossegue, mas, acho que aí cabe o leitor procurar o livro. Ele é assim, e é um livro para ler à sombra, com calma e crescer junto. Poesia abstrata, eu diria, mas, vamos com calma.Espero que estas considerações sejam oportunas ao poeta e que ele chegue a lê-las.
elaine pauvolid _______________________________________

Monday. monday

No Gente Boa não prestei muita atenção. É uma página de puro entretenimento, vocês sabem, de passar batido e observar as notinhas, só pra saber o que está rolando. Mas quando a tal notícia sobre a festa-hype-com-coelhinhas-da-Playboy se transforma em crônica para a posteridade, a coisa fica bem mais séria. Não só pelas coelhinhas, claro, mas por outros sintomas do texto.
"Não é a arte. É a autopromoção que conta agora", ui, essa doeu. Dói mais ainda saber que o leitor pede ao cronista frases curtas (e o cronista, coitado, ou dá ou desce, ou ainda pior: nem chega a subir). Ah, sim, e dói muito, muito mais ainda, saber que muito cronista bom se perde às vezes, tentando agradar: este de que vos falo achou por bem abolir o parágrafo, mesmo que as frases curtas acabem perdendo o fôlego, se é que vocês me entendem. Só pra contrariar.
"Não complique o texto. Não complique a vida", bem, a bem da fama, tudo bem. Limite o vocabulário e seu correspondente universo intelectual. Coisa mais chata.
Dói muito quando a gente lê que as profissões tradicionais oferecem salários ridículos, triste sentença a que se submete, por pura necessidade, também o cronista em questão: um escritor excelente que a gente descobre com gosto em textos mais antigos, mas que hoje em dia consome tempo e energia, não só registrando bobagens, que nisso se vê uma boa ponta de ironia, mas eternizando em crônica os sinais banais dos tempos. É o fim do mundo, gente. Ou pra não dar munição a apocalípticos, o fim do mundo como o conhecemos. O que vem por aí depende de nós, mais do que a gente pensa, isto é, se a gente resolver pensar. Ai que preguiça. Ainda mais numa segunda-feira de chuva.

domingo, 11 de novembro de 2007

Do nada

De fato
não somos
o que fomos,
nem vamos
adiante
com o que temos.

O fato
é que somos
mais ou menos
o que não temos
ou vamos ter
O que seremos
ou somos?

Que fato
esse, estranho
Não sendo,
não tendo
não podendo
o que será, então?

O fato
é que vou indo
não sendo
querendo
ser, não tendo;
mais ou menos.

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

salve polônio!

Diante de tudo o que se vê e da rapidez e degradação
de tudo, Cabo Polônio é
um lugar perdido. Quem perde o quê fica para o tal
livre arbítrio. São cerca
de 80 casas pequeninas, a maioria branca, salpicadas
sobre areia e grama e
cercadas quase totalmente pelo mar. Por um tris " um
caminho estreito e
sinuoso por onde se entra e sai de caminhão " não
estamos numa ilha.

E pra quem ouviu descrições de deserto, de dia faz
um calor do cão e à
noite, mesmo quando não chove, chegam ventos
poderosos que, parecem, vão
tirar os telhados daquelas casinhas todas.

De maneira geral, são brancas, o que dá uma sensação
de ilha grega para
muita gente.

Em Cabo Polônio " a 400 km de Montevidéo em ônibus
com ar-condicionado e
mais uma travessia de caminhão aberto sobre dunas "
as casas são distantes
umas das outras o suficiente para a felicidade.

Atílio é um artista plástico uruguaio, exilado por
vontade própria em
Polônio, convivendo com flores e suas obras. Sua
casa é cercada de plantas
compridas brancas.

Dentro dela, Atílio me mostrou uma caixa com tampo
de vidro onde guarda suas
interpretações de lobos e leões-marinhos em massa e
pedra. Outro trabalho
que chama a atenção é a série de bicicletas,
variações em desenho dos dois
aros fundamentais.

Para ele, a humanidade anda precisando de
bicicletas. Beatriz tem um rancho
próprio em Polônio onde, com o filho Guilherme,
trata de escrever o roteiro
para começar rodar, em dois meses, um filme.

O tema é a escravidão sexual, mulheres uruguaias
exportadas para esse fim.
Inconformada com a falta de apoio do governo
uruguaio à cultura, ela toma
horas de sol antes de escrever em alguma das praias
extensas e vazias. "É a
minha terapia."

Corre a boca pequena que o Uruguai é o país mais
lento do mundo.
No restaurante da Nancy, ela divide o fogão com um
filho bebê na cintura e
uma olhada nos biscoitos que vão virar alfajores,
feitos em fogão a lenha.
Para comer no restaurante de Nancy é preciso
esperar, de frente ao mar.

Elisa foi ativista do partido comunista durante as
ditaduras uruguaias, ela
se aquietou depois de um exílio no Chile e ao
perceber que as esquerdas
frustraram.

Então montou seu "El Molino" , cuja energia vem do
vento mesmo, abastecendo
as poucas e aconchegantes luzes à noite, geladeira e
aparelhos elétricos.
Casou-se com Patrick, um francês que flagrei fazendo
parafusos de alfavaca
com garfo depois de tomar um banho de mar.

Cansado em definitivo da urbe, o mineiro Henrique
Falcão montou sua loja de
roupas no alto de uma pedra, ao lado do farol.
"Célula Tronco" é um projeto
de desenho, arte e preservação da vida.

"Eu fazia uma série de roupas, sem parar, saía
vendendo como louco. Agora
são peças únicas. A venda é consequência. Eu não
posso agradar todo mundo".

Falcão quer criar uma fundação para preservação dos
lobos-marinhos, que
fazem um descanso nas praias de Polônio antes de
partirem para a reprodução
em mares mais frios.

A experiência em Cabo Polônio pode se radicalizar se
o visitante ficar em
casa de amigos ou num rancho alugado, vivendo à luz
de velas e usando a água
com moderação. Passei 12 dias assim, observando as
regras estabelecidas na
casa, pregadas numa geladeira movida a gás.

Acionava a bomba que leva a água da chuva para o
alto da casa e a distribui
para as torneiras do banheiro e da pia da cozinha.
São 50 movimentos diários
de musculação.

Em vez de usar a descarga do banheiro, buscava água
em dois baldes do lado
de fora da casa, acompanhada de Cazuza, Firulais e
Lineu, respectivamente,
os dois cachorros e o gato, ilustres habitantes da
casa dos espelhos, meu
abrigo nessa experiência "polonhense".

Ouvia dos moradores que rapidamente eu ficaria
"polonhense". Não entendi
muito bem o que, ao final do percurso, e só de volta
à vida urbana, pude
perceber.

Ficar "polonhense", para mim, foi entrar numa
sensação de humanidade e uma
vagareza saudável, por "supuesto". Para o banho,
esquentava a água e
despejava naquele balde-gambiarra que vira um
chuveiro. Fiquei com saudade
da ducha de hotel cinco estrelas.

Mas da janela do banheiro eu podia ver o mar e o
farol de Polônio, um dos
muitos cheio de histórias daquele país. Com um farol
daquele tamanho,
Polônio é conhecido por naufrágios históricos e
encalhe de navios. Um desses
casos envolve o Dom Guillermo, um navio que "atuou"
na Segunda Guerra
Mundial.

O que restou da embarcação é visto numa das praias
de Polônio, uma porção de
ferragens retorcidas fincadas na areia e nada mais.
Leo, o dono da casa, me
doutrinou sobre a água.

Disse que um banho como aquele equivale a um minuto
do nosso chuveiro na
cidade. Lembrei que meu banho é longo quando estou
bem triste ou bem alegre.
Naquele "transe" da quase-ilha eu não tinha nenhum
sentimento radical.

Leo foi o primeiro e único prefeito de Polônio.
Despachava na casa dos
espelhos, promovendo jantares à noite entre os
moradores, antigos
pescadores, turistas que decidiram se radicar,
hippies em trânsito e uma
sorte de gente com variados interesses, mas como a
mesma paixão pelo lugar.

Há uma pendenga sobre as propriedades em Polônio. O
Estado é o dono, teria
emprestado para os moradores e, agora, quer cobrar
uma taxa mensal pelo uso
das areias e grama.

Tudo é bem recente, mas o consenso é que o turismo
deverá ser controlado
porque não há estrutura para acolher muita gente; e
os lobos-marinhos e todo
aquele cenário vivo podem se estressar.

É certo que racionar água e luz quando se está
cercado de beleza e calma não
dói tanto. Mas, afinal, do que mesmo a gente
precisa?

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

E eu com isso?

Há três rolos de papel higiênico em cima da caixa de descarga, para nunca faltar. Mas o suporte na parede está sempre vazio. As funcionárias da empresa entram, usam o banheiro durante todo o dia, se contorcem para pegar o papel atrás delas, porém não se dão a um trabalho menor, que é repor novo rolo no suporte.

Na pizzaria, oito pessoas de uma mesma família se refestelam. Uma criança joga a tampinha da garrafa no chão. Nada acontece. Ninguém sequer olha para baixo. Todos comem, bebem, riem, vão embora e a tampinha fica lá, até que o garçom se abaixe e a recolha.

Mãe e dois filhos estão na sala de espera do consultório pediátrico. Uma babá cuida do filho menor. Ele anda pra lá e pra cá com um copo de plástico vazio na mão. Quando cansa do brinquedinho, joga-o fora. Ali mesmo, no meio da sala de espera. Nem mãe nem babá se manifestam. O copo permanece no mesmo lugar e uma outra criança o pega e o põe no lixo.

Essas pessoas são as mesmas que reclamam do governo, seja ele do PT, PSDB, DEM, PDT ou PQP; são elas que se lamentam de preços altos, da falta de educação do motorista ou indiferença do garçom; falam mal do som alto na casa do vizinho, do prefeito que não manda limpar a praça e da copeira que trouxe o cafezinho frio.

Pessoas que exigem todos os seus direitos, querem seus desejos satisfeitos “porque sou um cidadão que paga seus impostos”. Mas, infelizmente só se lembram disso na hora de cobrar. Cobrar sim, do dono do bar, quando recebe a conta errada para mais, e é incapaz de solicitar a correção do erro, quando a mesma conta vem cobrando menos do que foi consumido. Com a maior cara de pau o ‘cidadão’ sai de fininho, com ar de vitorioso.

Eu pergunto: são essas pessoas que vão salvar o planeta? São esses exemplos de falta de educação e cultura que vão se unir para reverter os efeitos do aquecimento global?

Quando vejo cenas como essas acontecerem à minha frente, não sei se fico irritada, indignada ou triste. Estamos no século 21, vivemos uma hipermodernidade que nos obriga a prestar atenção no mundo a nossa volta. Todas as informações estão aí, ao alcance de todos: na televisão, nos jornais, nas rádios, na Internet, nas escolas, nas faculdades, nas ruas. Não dá mais para fazer ouvidos moucos, fingir que “não é comigo” e continuar parando o carro em cima da faixa de pedestres. É inconcebível varrer a sujeira do meu quintal e jogar tudo na calçada do vizinho.

A mulher que entra no banheiro e não perde 15 segundos do seu tempo para pendurar o rolo de papel higiênico se comporta como se não pertencesse ao mesmo mundo das outras pessoas. É o que ocorre com o pai ou a mãe que vêem o filho jogar lixo no chão e não reagem. Pensam, provavelmente, que o espaço público não pertence a eles, justamente por ser público. “Ah..! Deixa pra lá que depois vem alguém e limpa”.

Tudo o que é público é nosso; não pertence ao governo, ao dono da empresa ou da pizzaria e nem é de responsabilidade única do servente que faz a limpeza. Esse hábito de empurrar o dever para o outro é que fez o nosso planeta ficar como está. Falta civilidade, falta senso de urbanidade, falta apropriação do que é de todos. Cuidar, proteger, fazer a própria parte. É disso que o planeta, o país, a cidade, o bairro precisam. Para ser cidadão é preciso ter educação, caráter mesmo.

Uma amiga ansiosa está iniciando um projeto ambiental, que prevê várias ações no âmbito acadêmico. E fala que é preciso “andar rápido, pois a conscientização de alunos e professores não pode mais demorar”. Eu pergunto, de novo: conscientizar? De que jeito? Ninguém conscientiza ninguém. O sujeito é que se conscientiza, a partir de um processo de conhecimento, de um movimento reflexivo próprio. E como um indivíduo que sequer recebeu educação básica – por favor, muito obrigada, com licença, bom dia, boa tarde – consegue adquirir consciência? Tem estudante de medicina por aí, jogando latinha de cerveja na estrada, pela janela do carro, a caminho da faculdade. O que se faz com alguém assim? Bate na bunda?

Antes de mais nada é necessário aprender o que é respeito e em seguida colocar em prática. Considerar que o outro tem os mesmos direitos e desejos, que a água que deixo exposta no meu quintal vai levar dengue para a casa ao lado. E que todos ficaremos doentes juntos, sejamos pobres, ricos, negros, velhos, crianças, se não exercermos nossa cidadania em favor da coletividade. É o mínimo que se pode exigir de um cidadão.
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