segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Café com leite, pão com manteiga e bom humor

Chego ao balcão da padaria e espero menos que 10 segundos. A atendente, lavando copos, me abre um sorriso do tamanhão do rosto dela: “Boa tarde, pode falar!” Já surpresa diante de tanta simpatia, peço um café pingado e um pão com manteiga. Tenho poucos minutos para driblar o apetite enquanto espero o horário da minha consulta no prédio ao lado. A padaria está cheia, como sempre. Ainda mais numa tarde fria, perfeita para um café bem quentinho e um pão fresco. E as meninas, as atendentes, numa felicidade que nunca presenciei.

Freqüentei essa mesma padaria um tempo atrás, quando trabalhava perto. Só tomava meu café ali porque o pão era (e ainda é) muito gostoso e eu estava sempre atrasada, portanto, era mais prático. Com o meu bom humor de sempre, chegava, dava aquele sonoro bom dia e o que eu recebia em troca era um olhar fulminante da balconista. Todos os dias. Em silêncio ela arrumava meu pão com manteiga, meu café com leite, colocava-os em cima do balcão e virava as costas. Ao sair, sempre me despedia e até hoje não sei se ela fingia que não escutava.

Em quase todos esses lugares é mais ou menos a mesma situação. Pessoas mal humoradas, tristes, mal pagas, mal tratadas pelos patrões, desrespeitadas de várias formas, acabam revelando suas dores e amarguras por meio de suas expressões (ou falta delas). Já vi das piores caras em diversos tipos de estabelecimentos, de supermercado a sorveteria, de manicure a floricultura, de loja de tintas a botequins, de clínicas médicas a restaurantes.

E eis que depois de muito tempo volto àquela mesma padaria e encontro um ambiente totalmente anormal, se comparado ao mau humor comum que reina no comércio e na prestação de serviços (salvo raríssimas exceções). Três balconistas sorridentes, conversando, cantando, brincando entre si e com os clientes, tratando as pessoas pelos nomes. Eu e uma mulher ao meu lado nos olhamos, sem acreditar no que víamos. “Nossa, gente, quanta felicidade nesse lugar”, ela disse. E lá de dentro veio esta: “É assim mesmo, trabalhamos sempre assim. Olha lá no caixa. A outra fica reclamando da gente, mas ela queria mesmo é estar aqui, rindo e cantando também, mas não pode”, brincou a balconista.

Saí da padaria rumo ao consultório médico tentando imaginar como seria a vida de cada uma daquelas mulheres. Com certeza, não muito diferente da vida de todas as outras e outros que são empregados neste tipo de estabelecimento. Madrugam para trabalhar, ajudam a família no sustento da casa, ou sustentam filhos sozinhos, fazem jornada tripla, ou quádrupla, ganham um salário daqueles que a gente praticamente paga pra trabalhar. Enfim, têm problemas como todo mundo e, por isso, teriam o direito a viver de cara feia, como todo mundo. Mas não. Fazem justamente o contrário e nem sei se têm consciência de que desta forma realmente conseguem tornar seus dias melhores. Só sei que conseguem.

Na verdade, naquele dia eu estava com um problemão na cabeça e foi extremamente reconfortante tomar aquele café com tanta alegria a minha volta. É isso aí. Nunca sabemos se quem está por perto precisa de uma palavra de carinho, apoio, sei lá. E ao sentir toda aquela energia positiva, concluí que nem tudo está perdido, mesmo. Seja qual for o motivo que possa me deixar de ‘bico’, a melhor solução, sempre, é encarar a vida com bom humor, já que cara feia não traz solução pra nada.
.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Beija-Vida

Acordo de manhã, abro a janela e ela está lá, no fio. Não fica muitos metros longe. Está sempre de olho, vigiando. Vai até a árvore em frente, se alimenta do néctar da flor de pata-de-vaca, e volta. Estou falando e uma zelosa mãe, moradora temporária do meu Ipê, na porta da minha casa: uma beija-flor que cuidadosamente construiu seu ninho para procriar ali, diante dos meus olhos. Os filhotes, nascidos na terceira semana de agosto foram uma agradável surpresa nestes dias secos, áridos.

Minha árvore ainda é jovem. Um Ipê de apenas seis anos, pouco mais de três metros de altura. Sua floração, na primavera, ainda é frágil, mas suas poucas flores brancas já nos dão uma rápida demonstração do que ela será capaz de produzir daqui a alguns anos. Sou apaixonada pelo meu Ipê, cuja muda ganhei de um grande amigo. Por isso observo-o com freqüência. Suas folhas, seus galhos, seu crescimento. E foi num desses momentos de observação que descobri algo novo, estranho, perfeitamente encaixado entre três galhos. Achei aquilo esquisito, porém não imaginei que pudesse ser um ninho, não ali, naquela posição, tão desprotegido.

Dias depois lá estava ela, a mãe beija-flor, sentadinha, chocando. E eu, chocada com aquela visão. Um ninho bem pequeno, com um pássaro delicado aguardando a chegada dos seus filhotes. Beija-flores são visitantes muito comuns na minha casa. São atraídos pelas minhas plantas, sempre em floração, mas como são aves muito ariscas, é raro ver um ninho e mais raro ainda é poder acompanhar sua reprodução. E por conta dessa grata surpresa, claro, fui pesquisar para saber um pouco mais sobre isso.

Menor pássaro do mundo, o beija-flor é muito independente. É a fêmea a única responsável por sua cria. Constrói o ninho, choca os ovos e protege os filhotes. Apesar de pequeno e de parecer frágil, o abrigo é muito seguro; resiste ao vento, às chuvas e ao crescimento dos filhotes. Normalmente é construído com grama, folhas, flores, pétalas e musgo, e fixado com o fio viscoso da teia de aranha, que o deixa bem firme. Geralmente, os beija-flores botam apenas dois ovos. Seus ninhos não comportam mais, e a fêmea não consegue alimentar mais que dois filhotes.
Esse ser aparentemente frágil é capaz de se adaptar a qualquer ambiente e não exige muito para sobreviver: constrói seu ninho na cidade, em qualquer tipo de árvore, não tem medo de gente nem de ruídos, e precisa de flores para se alimentar. Simples assim.

Tão simples quanto a decisão de derrubar uma árvore, seja qual for o motivo, sem pensar no quanto de vida se interrompe com atitude tão drástica. O crescimento acelerado da população e a destruição de muitas espécies de plantas nativas constituem um grave problema para os beija-flores, por faltar-lhes locais apropriados para construir seus ninhos ou para encontrar alimento adequado. Li sobre uma fêmea que ergueu seu ninho em cima de um bocal de lâmpada, na sala de uma casa. Os moradores quebraram o vidro da janela para que a beija-flor saísse e voltasse à vontade.

Aqui na minha casa tive o cuidado de manter a reprodução da beija-flor em silêncio. Até mesmo a curiosidade pode prejudicar a procriação. Adultos e crianças gostam de chegar perto, falar alto, tocar, remexer. Observo sempre que posso, porém de longe, só para ver como vai o desenvolvimento dos filhotes. Segundo minha pesquisa, com duas semanas de idade, a maioria dos beija-flores já tem olhos brilhantes e atentos, e o corpo coberto de penas. Às vezes, se levantam no ninho e batem as asas. Com três ou quatro semanas, o pequeno pássaro já está pronto para deixar o ninho e começa a dominar o vôo com rapidez e facilidade.

Para eles um momento feliz, quando se sentem seguros e podem ganhar a liberdade. Para nós, com os pés plantados no chão, fica aquele sentimento de frio na barriga ao ver filho indo embora. A gente se acostuma e chega até a dizer “meus filhotinhos”. Mas não. São filhos da natureza, que apenas encontraram na minha árvore um local ideal para se reproduzir. Cabe-me respeitar, favorecer, preservar, não derrubar, silenciar, admirar. E desejar que eles voltem outras vezes. Faz bem para a minha saúde e para a energia da minha casa.
.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

MEU BLOG MUDOU!

AVISO!
ESTE BLOG CONTINUA UMA MARAVILHA!
MAS MEU BLOG PESSOAL MUDOU!
CLIQUE AQUI PARA CONFERIR!
É só clicar aqui para entrar.
Entrevistei no NOVO BLOG o escritor João Anzanello Carrascoza. Está bem interessante.
Se quiser ler a entrevista, clique aqui.
E, logo abaixo da entrevista, tem um conto meu inédito. Que estará no meu próximo livro! Seja bem-vindo e fique à vontade!
Um blog atualizadíssimo - dia a dia, hora a hora - com as últimas notícias sobre Literatura, Música, Cinema, Literatura, Arte, Prêmios e Concursos literários, Literatura, Teatro, Filosofia e Literatura. Lá também antecipo contos do meu próximo livro e publico poemas do meu último, homônimo ao blog. Seja bem-vindo! Deixe seu comentário! E se puder divulgar, agradeço.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

“Admirável mundo novo”

O sociólogo Bernardo Sorj disse recentemente no programa Invenção do Contemporâneo, na TV Cultura (segundas, 00h30) que “o mundo que formou nossa percepção não existe mais”. Isso quer dizer que muito – mas, muito mesmo – do que nos foi ensinado ao longo da história passou, mudou, caducou. Ao mesmo tempo em que corremos atrás da sobrevivência, da carreira, do sucesso, do relacionamento estável, do conhecimento, temos também que disparar rumo à adaptação a este, digamos, novo mundo.

Fomos treinados a perceber tudo do jeitinho que nos foi ensinado por nossos pais e professores, que por sua vez aprenderam com seus pais e professores, e daí para trás. Aprendemos a viver com profundidade, a exercitar o pensar, a formular, a elaborar idéias, experimentar. Viver um sem fim de cobranças para ser aceitos numa sociedade altamente exigente em comportamentos, regras, etiquetas.

Hoje, para quem viveu e vive tais regras, está difícil viver. Está difícil a aceitação de uma nova sociedade, pautada na velocidade, no imediatismo, no prazer neste momento agora mesmo. As soluções são práticas, rápidas e objetivas. A profundidade virou perda de tempo. Tem-se que fazer cinco coisas no mesmo instante e passar ligeiramente os olhos em cada uma delas pode me trazer o resultado que preciso em todas, sem parar, sem agarrar.

A internet favoreceu esta praticidade, que já passa aos jornais, revistas e outras publicações. Textos curtos, leitura dinâmica, entendimento fácil, raciocínio em flash. Foi-se o tempo de Shakespeare, Marx, Kant, Edgar Allan Poe, Nietzsche, Kafka, Rimbaud, Vitor Hugo. Sem ir tão longe, há poucos meses uma adolescente de 18 anos, universitária, me perguntou quem era Raquel de Queiroz. Será que ela tem idéia de que muitos dos nomes mais célebres da literatura morreram pouco depois dos 20 anos, nos deixando obras fabulosas? Álvares de Azevedo, por exemplo, aos 21 anos foi levado pela tuberculose, e nos legou poesias imortais. Sem falar de Castro Alves, Fernando Pessoa, Ana Cristina César, ou Torquato Neto – este suicidou aos 28 anos. Neste mundo novo de hoje, jovem que escreve poesia é um excluído.

Para quem é difícil a aceitação, a saída é denominar este mundo de superficial. Nas salas de aula, nós, professores, nos surpreendemos com mentes que, antes, chamaríamos de vazias, mas que na verdade são fruto desse mundo novo ao qual estamos tentando nos adaptar. Eles são resultado da hipermodernidade, já nasceram com o compromisso de serem melhores que seus pais, fazer rápido e passar à próxima etapa. Ler? Estudar? Reunir informação? Pesquisar? Escrever? Aprimorar o nível cultural? Só o suficiente para saber o que é preciso.

Recebi um texto pela internet dias atrás, desses que nunca temos certeza da autoria. Nele, o autor ou autora diz que nosso mundo é do tamanho do nosso foco de atenção. “É como se nossa consciência flutuasse por diferentes níveis de percepção que desvelam diferentes níveis de realidade”. Para ele, ou ela, ficamos encapsulados e limitados a um número específico de ações, em contato com uma pequena quantidade de seres e universos, incapazes de acessar outras práticas, modos de ser, sensações, emoções, visões. “Há um vasto mundo fora da nossa mente!” E o mundo de hoje, o mundo de cada um, não tem mais espaço para o mundo lá fora.

É estranho até tentar lembrar que mundo foi aquele que formou a minha percepção. Quando nasci, no ano que não terminou, grandes e até então inimagináveis mudanças começavam a pipocar pelos quatro cantos do mundo. E cresci sem me dar conta do que era importante deste tempo pra trás. Me sinto parte desta geração que apreendeu o pragmatismo e com ele formulou seu pensar e seu agir. Pelo menos não tenho tanta dificuldade em me sentir adequada. Ufa!

Certo ou errado não há mais como fugir das necessidades atuais ou ficar tentando retomar o passado, com o batido discurso “no meu tempo era assim” ou “não gosto desse negócio de MSN; prefiro o olho no olho”. Esse passou, caducou. Fica cada vez mais isolado na recusa em caminhar para a frente, em fazer parte deste novo mundo que não se recusa a correr na frente de todos nós.

.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Que circo é esse?

Lamentável.
É a única palavra que me vem à cabeça ao tentar definir o que faz o circo Big Brother que está em exibição em Volta Redonda/RJ: utiliza cães que se apresentam dançando, sob as ordens daquele que se auto-intitula artista, mas que neste caso não passa de um simples adestrador, como vários por aí.

Pouquíssimo tempo depois do brilhante espetáculo do Circo da China na cidade, no qual os verdadeiros artistas dão o show, ficamos boquiabertos com a ousadia do Big Brother de exibir animais na cidade onde reside o deputado estadual Edson Albertassi, que criou a lei, de 2001, que proíbe animais em circo em todo o Estado do Rio.

Na entrevista que deram à reportagem do jornal Diário do Vale deste sábado, 19, os donos do circo, os irmãos Ewerton e Alessandro Lestra, (não sei qual dos dois é o adestrador, porque neste caso, reafirmo que artista não é), se justificam dizendo que os cães são bem tratados, comem ração e saem para passear. Eles não fazem mais que sua obrigação dar de comer, beber e passeio aos animais. Porém, daí vai uma longa distância de obrigar cachorros a fazerem o que não nasceram para fazer. Basta imaginar-se no lugar dos bichos, que sentem tudo o que a gente sente, para perceber que isso é no mínimo cinismo.

Lamentável.
É simplesmente lamentável ler, na entrevista, o dono do circo dizer que temos preconceito contra o circo. Seria preconceito sentir asco ao verificar a falta de higiene dos banheiros disponibilizados ao público? Será que ao aprovar a instalação de um circo no centro da cidade a prefeitura observou isso? Ou fez algum tipo de exigência neste sentido? O dono do circo disse que desconhece a lei que proíbe o uso de animais. Na hora de aprovar a instalação ele deveria ter sido informado. E quem é que aprova, não é a prefeitura?

Gostaria de dizer, diretamente aos donos do circo e adestradores (não são artistas), que não temos nenhum preconceito contra nenhum circo, desde que não sujeite animais a nada. Como disse anteriormente, pagaria três, quatro, cinco, 12 vezes para assistir ao espetáculo do Circo da China porque lá, sim, tem arte.

Sim, é lamentável.
Lamentável o dono cobrar que se faça algo pelos animais que estão abandonados nas ruas, se são os circos grandes responsáveis pelo sofrimento de centenas de animais, destinados ao abandono após não servirem mais para as apresentações. É lamentável tentar se eximir de uma responsabilidade, cobrando outra, que também deveria ser a sua. Afinal, é tão cruel animal abandonado na rua, quanto obrigado a fazer gracinhas para um público voraz, numa clara demonstração de trabalho escravo, onde se faz o que não se quer, em troca de casa e comida.

Lamentável que no século 21 ainda de submeta animais a espetáculos para diversão de humanos, como barbaramente se fazia três séculos antes de Cristo. Serão os donos de circo e adestradores seres bárbaros como aqueles? Mesmo sendo pais de família e que pagam seus impostos, como dizem os donos do circo na entrevista, cremos que não há necessidade de utilizar animal para ganhar a vida, mesmo porque, são eles mesmos, os donos do circo, que afirmam que “o número que envolve os cães corresponde a aproximadamente quatro minutos do espetáculo de duas horas”.

Lamentável ainda termos que ouvir tudo isso, após tanta luta por um pouco de educação, evolução, inteligência e sensibilidade das autoridades. Ainda falta muito, vemos aí o exemplo, mas não pretendemos descansar. E que as autoridades que deveriam fiscalizar este tipo de ‘entretenimento’, cumpram realmente o seu papel. É o mínimo que a sociedade exige.
.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Parabéns pra Nós!

E fizemos aniversário e ninguém abriu um latinha? Nem um "êbaaa!"? Hã?
Pois eu vou fazer barulho e mexer no embrulho desse pacotinho aqui de fita vermelha e quem foi esse ano vê-la? A Paraty? Hum? Eu não, fiquei por quá porque minha filha nasceu nos 4 do mês. Julho é meu mês diléto. Lembro do Joaquim e do Arthur e agora comemorarei a Ana e todos os anos lembrarei de vir aqui abrir uma latinha após comprar os bibelos à minha menininha.
Este ano o Nelson deu a cadeira ao Bruxo de Cosme Velho, e foi o segundo texto que li a está ouvinte disposta, li o Apólogo. Ela não deu nesga de apreciação, mas quando li uma crônica minha babou, e aí vejo que a moça já sabe quando calar e babar. Manipular.
E estou dizendo um monte de coisas desconcexas e fico todo esse tempo sem publicar e chego a palrar e bláblár a pensar o quanto as coisas mudam em um ano, o pé de galinha se aprofunda e vira parte do desenho das aflições e quantas! muitas! e felicidades, doidas e acontecimentos impossíveis do click da crônica e eu queria dar um abraço e antes da lágrima vou parando e repetindo o feliz aniversário ao nosso cantinho! Ê! Abraços e se cuidem, um ótimo ano para os Crônicos!
t+

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Os últimos serão os primeiros

Tudo bem. A gente já sabe que uma infância calada, isolada, interiorizada e, antes que eu me esqueça, habilmente disfarçada de inteligência arrogante — estratégia pueril de autodefesa contra a exibida burrice malvada, sempre pronta para uma provocação ou outra —, corre o sério risco de acabar muito mal. E geralmente acaba. Vide este Robert Mugabe, por exemplo: por trás da eficaz retórica assassina dele, desvendam os analistas a sombra do eterno menino agarrado aos livros, filhinho da mamãe carente e isolado em fantasias de grandeza que preferia ficar sozinho a brincar com os outros — "Morei muito dentro da minha mente. Gostava de falar sozinho, ler em voz alta para mim mesmo." —, ui, arrepio. Já me envolvi em comparações melhores, gente, juro. Não me parece uma boa hora, e é por isso que evito qualquer referência comprometedora àquele evento distante — e nem por isso menos marcante —, em que me escondi no armário do quarto pra escapar a mais uma bem-intencionada tentativa de mamãe, que nunca desistiu de me transformar num "ser mais social". Fracassou, coitada. Quanto mais o tempo passa, mais bicho-do-mato eu fico. E em contrapartida, claro, mais carente do que nunca de reconhecimento, eloqüência e celebridade, ui, vade retro, coisa-ruim.
Pior ainda é pretender aproveitar esta crônica triste da inclemência humana pra me alegrar com você, leitor fiel — que não se incomoda nunca com esta minha tendência nata para o humor mais negro que as mais negras intenções de qualquer ditador africano —, e rir um bocado com os novos sinais de uma vaga promessa de notoriedade, é sério, gente, descobri por acaso no google (sim, eu goglo meu nome no google de vez em quando, mesmo soando meio assim, gluglu, perua): meu incrível best-seller e praticamente esgotado "Hierosgamos" (modéstia à parte, o livro é bom mesmo, viu, gente?) está à venda, por módicos vinte reais, na Estante Virtual — corram, fãs —, em "excelente estado de conservação".
Outras coisas bacanas que descobri na pesquisa, vamos combinar, não conto nem sob tortura: não sou babaca de alimentar este mito crescente da minha fadada arrogância intelectual, imaginem. Só alerto vocês para o fato inescapável de que vou caminhando para a fama assim, com constância e trama, como venho vivendo esta vida: entrando sempre pela porta dos fundos e comendo pelas beiradas. Pois é. Não me estranhem se dentro em breve um ou outro escritor concorrente, disputando a tapa aquele espaço cada vez mais raro — e caro — em estante real de livraria, apareça morto sem explicação possível, vocês sabem: liquidado sem nenhuma piedade por um invejoso veneno da crítica, eu é que não fui, juro que não: "Apesar dos percalços da infância, a pequena e emburrada menina de poucos amigos" já desistiu faz tempo de se tornar a rainha do castelo, viu? Quanto aos que falam tão bem de mim pelas costas, peço por favor, para o bem de todos e a felicidade geral de minhas futuras vítimas, que o façam em alto e público bom som.
Faltou à tradução de O Globo acrescentar o final do artigo original de Heidi Holland: "Mas a perseverança de Robert foi também seu jeito de lidar com um universo que ele acreditava estar sempre contra ele. Apesar de períodos de contentamento, ele estava destinado a ser consumido pela desconfiança pelo resto da vida."
Pobre menino(a) poderoso(a).

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Conversas Nardônicas

Aprendi com uma dupla de cronistas renomados – Joaquim Ferreira dos Santos e Arthur Dapiève – que a crônica deve passar ao largo das questões do dia-a-dia; deve mudar de assunto, até mesmo para dar uma folga do pesado noticiário, que normalmente nos é oferecido.

Porém, há casos em que é quase impossível mudar o rumo da prosa, por isso fiquei em silêncio nos últimos dias. Durante praticamente dois meses não se falou em outras coisa: o assassinato de Isabella Nardoni. O país parou, queixos caíram pra todo lado; o que para muitos seria considerado impossível estava ali, ao vivo, na tela da TV, relatado em todos os canais e telejornais.

Uma mobilização geral tomou conta do país. Revolta, tristeza, indignação, surpresa, choque, incredulidade. Muita gente saiu de sua casa a quilômetros de distância para fazer plantão na porta do prédio dos Nardoni, em São Paulo. A polícia precisou montar esquemas especiais de segurança para garantir a integridade física de Alexandre e Ana Jatobá. Sem contar a audiência na TV em pleno domingo, com a transmissão ao vivo da reconstituição do crime. Melhor que Juvenal Antena.

Em uma das muitas e intermináveis conversas das quais participei, ouvi de uma amiga psicóloga a seguinte explicação: “Constatamos, com este caso, que nós, seres humanos, somos capazes de cometer as piores atrocidades. Não importa se pai, mãe, filho ou qualquer outro grau de parentesco. O ser humano é, sim, capaz de matar o próprio filho. É isso o que causa o choque, esse interesse exorbitante da população”. Ouvir isso dói, mas infelizmente é mesmo uma constatação.

Na tentativa de explicar de outra forma a morte da menina, por não conseguir admitir a culpa da madrasta e do próprio pai, muita gente viajou em possibilidades hollywoodianas. “Essa família é mafiosa, envolvida com tráfico internacional. A menina foi morta num acerto de contas e para não entregarem o esquema, se meteram nessa roubada”. É. Comoção nacional também vira piração.

E ainda há os que, até hoje, acreditam na versão do casal, a de que havia uma terceira pessoa no apartamento. “Não posso crer que um pai tenha sido capaz de matar a própria filha. Prefiro acreditar que alguém entrou lá e fez essa maldade. Quer ver que daqui a alguns dias a verdade vai aparecer?”.

Difícil foi agüentar o Big Brother: entrevista de 35 minutos do casal no Fantástico (da qual se editaria 5 minutos); entrevista da mãe, Ana Carolina Oliveira, também no Fantástico, em pleno Dia das Mães; entrada ao vivo acompanhando a prisão do casal Nardoni; debates, debates e debates nos canais de notícias a cabo; o promotor adorando aparecer; Ana Carolina Oliveira em missa do padre Marcelo, visitada por Xuxa e Ivete, e abraçada por Zezé Di Camargo; enfim, uma super dosagem de apelação para garantir o telespectador cristalizado em frente à TV.

No fim de tudo acho essa história muito triste. Com todo o requinte de crueldade utilizado no assassinato de Isabella, é muito triste o ponto a que chega uma família desajustada, formada por gente desequilibrada. E quem paga por isso, claro, são os seres mais frágeis. É a mesma tristeza que dá ao ver histórias como essa acontecerem nas áreas pobres, nas favelas espalhadas por aí: crianças que morrem por espancamento; outras que são estupradas dentro de casa por pais, padrastos, tios, primos, irmãos, padrinhos; e outras tantas que são inseridas no tráfico pela própria família. A diferença é que nestes casos o Big Brother se omite. Só interessa à opinião pública quem tem dinheiro, a classe média que mora em bairro nobre. Criança favelada nasce para morrer no anonimato.
.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Vitórias

Moro em frente a um Centro de Ação Comunitária, mantido pelo governo municipal. Além das atividades da programação normal da casa, ali também se reúnem os Alcoólicos Anônimos do meu bairro e adjacências. Todos os domingos, das 19 às 21 horas, estão todos lá, cerca de 20 pessoas, não sei ao certo, para darem seus testemunhos de superação ao vício. São silenciosos, chegam devagar, cumprimentam-se, abraçam-se, falam baixo, às vezes ouvimos aplausos ou alguns risos abafados. Não conheço ninguém; não sei o nome de ninguém. Só sei que são vitoriosos.

São vitoriosos. Conseguem, dia após dia, vencer em si próprios àquela vontade doentia de sucumbir ao primeiro gole. E trocam entre eles força, coragem, fé, certeza no futuro. Me emociona, a cada domingo, vê-los nesses encontros para mim festivos. Eles deixaram para trás uma rotina de angústia e sofrimento, e decidiram apostar na vida. Não é uma decisão fácil, afinal a dependência do álcool é uma doença, cuja cura está unicamente nas mãos do paciente.

É dor, privação, insegurança, depressão, e também força de vontade, amor próprio e pela família, fome de viver, tudo misturado. Vejo em cada uma daquelas pessoas um pouco de tudo isso. A disposição corajosa de mudar de rumo, crer em si e renascer das cinzas, como uma Fênix. Na edição passada falei sobre isso aqui: mudança. Vencer vícios ou situações adversas é se permitir mudar, acreditar que existe uma mola no fundo do poço que vai te impulsionar pra fora, desde que se queira, mesmo, sair lá de dentro.

Talvez pelo exercício da escrita me acostumei a observar pessoas e tenho visto alguns exemplos de vitória por aí. Tenho um amigo que se curou do vício em drogas e hoje é professor universitário. É tão vitorioso que sequer guarda nas expressões do rosto as marcas dos dias de sofrimento. Alegre, com o olhar iluminado, sempre otimista, é espirituoso e a todo momento tem algo de bom pra dizer, sem ser piegas. É um cara feliz e pronto.

O mais interessante em tudo isso é que é difícil falar de vitória sem falar das perdas ou dores pelas quais se passa, pelas quais se é tentado à escolha pela vida ou pela morte. A vitória pessoal está intimamente ligada a um infortúnio qualquer, angústia, aflição. Não falo de vencer na profissão, ter sucesso na carreira e ganhar muito dinheiro. Conheço gente rica que nunca mais soube o que é alegria depois da morte de um filho. E superar uma perda dessa importância não é para qualquer um. Muitas mães passam o resto dos seus dias sem sentido depois de enterrar um filho.

Superação pessoal. Vitória individual sobre si mesmo. O cantor Roberto Carlos levou a vida inteira para admitir que era doente, que sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC e, finalmente, decidiu se tratar como convinha. Entregou-se a um psiquiatra e se tratou, vencendo em si a compulsão, as manias. Já o ator Michael Douglas, dizem, procurou tratamento para outro tipo de compulsão, a sexual. Era doente por sexo e só conseguiu recuperar o controle após sessões de análise e alguns remedinhos psiquiátricos para frear o desejo ardente. Por favor, leitor, não viaje. É doença mesmo, viu?

Uma coisa aprendi observando as vidas dessas pessoas e de outras tantas que não caberiam aqui. O importante é ser feliz e para isso é preciso liberdade. E qualquer sentimento que nos prenda à dor impede a vida em sua plenitude. Da mesma forma que não se pode dar asas ao prazer de viver, preso ao vício, seja de drogas, álcool, sexo. Claro que não estamos nessa vida a passeio, senão tudo seria muito mais simples. Falo na liberdade do ser completo, feliz por si, de alma leve, “espinha ereta e coração tranqüilo”. Livre. Vitorioso.
.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

poemas de amor mequetrefes

Sai cadeeiras verdes pra lá
Me acostuma esse cheiro
Me aconchega de longe
Nem sabendo dos iguais
Suadeira felizmente aproxima
Suave igual letra sem verbo
A gente vai estendendo
fôrma e nuca
Meu viking da paulicéia
Eu inseguro, tu, inseguras
Vamos levando
No andar possível
Vamos amando