quinta-feira, 31 de julho de 2008

“Admirável mundo novo”

O sociólogo Bernardo Sorj disse recentemente no programa Invenção do Contemporâneo, na TV Cultura (segundas, 00h30) que “o mundo que formou nossa percepção não existe mais”. Isso quer dizer que muito – mas, muito mesmo – do que nos foi ensinado ao longo da história passou, mudou, caducou. Ao mesmo tempo em que corremos atrás da sobrevivência, da carreira, do sucesso, do relacionamento estável, do conhecimento, temos também que disparar rumo à adaptação a este, digamos, novo mundo.

Fomos treinados a perceber tudo do jeitinho que nos foi ensinado por nossos pais e professores, que por sua vez aprenderam com seus pais e professores, e daí para trás. Aprendemos a viver com profundidade, a exercitar o pensar, a formular, a elaborar idéias, experimentar. Viver um sem fim de cobranças para ser aceitos numa sociedade altamente exigente em comportamentos, regras, etiquetas.

Hoje, para quem viveu e vive tais regras, está difícil viver. Está difícil a aceitação de uma nova sociedade, pautada na velocidade, no imediatismo, no prazer neste momento agora mesmo. As soluções são práticas, rápidas e objetivas. A profundidade virou perda de tempo. Tem-se que fazer cinco coisas no mesmo instante e passar ligeiramente os olhos em cada uma delas pode me trazer o resultado que preciso em todas, sem parar, sem agarrar.

A internet favoreceu esta praticidade, que já passa aos jornais, revistas e outras publicações. Textos curtos, leitura dinâmica, entendimento fácil, raciocínio em flash. Foi-se o tempo de Shakespeare, Marx, Kant, Edgar Allan Poe, Nietzsche, Kafka, Rimbaud, Vitor Hugo. Sem ir tão longe, há poucos meses uma adolescente de 18 anos, universitária, me perguntou quem era Raquel de Queiroz. Será que ela tem idéia de que muitos dos nomes mais célebres da literatura morreram pouco depois dos 20 anos, nos deixando obras fabulosas? Álvares de Azevedo, por exemplo, aos 21 anos foi levado pela tuberculose, e nos legou poesias imortais. Sem falar de Castro Alves, Fernando Pessoa, Ana Cristina César, ou Torquato Neto – este suicidou aos 28 anos. Neste mundo novo de hoje, jovem que escreve poesia é um excluído.

Para quem é difícil a aceitação, a saída é denominar este mundo de superficial. Nas salas de aula, nós, professores, nos surpreendemos com mentes que, antes, chamaríamos de vazias, mas que na verdade são fruto desse mundo novo ao qual estamos tentando nos adaptar. Eles são resultado da hipermodernidade, já nasceram com o compromisso de serem melhores que seus pais, fazer rápido e passar à próxima etapa. Ler? Estudar? Reunir informação? Pesquisar? Escrever? Aprimorar o nível cultural? Só o suficiente para saber o que é preciso.

Recebi um texto pela internet dias atrás, desses que nunca temos certeza da autoria. Nele, o autor ou autora diz que nosso mundo é do tamanho do nosso foco de atenção. “É como se nossa consciência flutuasse por diferentes níveis de percepção que desvelam diferentes níveis de realidade”. Para ele, ou ela, ficamos encapsulados e limitados a um número específico de ações, em contato com uma pequena quantidade de seres e universos, incapazes de acessar outras práticas, modos de ser, sensações, emoções, visões. “Há um vasto mundo fora da nossa mente!” E o mundo de hoje, o mundo de cada um, não tem mais espaço para o mundo lá fora.

É estranho até tentar lembrar que mundo foi aquele que formou a minha percepção. Quando nasci, no ano que não terminou, grandes e até então inimagináveis mudanças começavam a pipocar pelos quatro cantos do mundo. E cresci sem me dar conta do que era importante deste tempo pra trás. Me sinto parte desta geração que apreendeu o pragmatismo e com ele formulou seu pensar e seu agir. Pelo menos não tenho tanta dificuldade em me sentir adequada. Ufa!

Certo ou errado não há mais como fugir das necessidades atuais ou ficar tentando retomar o passado, com o batido discurso “no meu tempo era assim” ou “não gosto desse negócio de MSN; prefiro o olho no olho”. Esse passou, caducou. Fica cada vez mais isolado na recusa em caminhar para a frente, em fazer parte deste novo mundo que não se recusa a correr na frente de todos nós.

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