Moro em frente a um Centro de Ação Comunitária, mantido pelo governo municipal. Além das atividades da programação normal da casa, ali também se reúnem os Alcoólicos Anônimos do meu bairro e adjacências. Todos os domingos, das 19 às 21 horas, estão todos lá, cerca de 20 pessoas, não sei ao certo, para darem seus testemunhos de superação ao vício. São silenciosos, chegam devagar, cumprimentam-se, abraçam-se, falam baixo, às vezes ouvimos aplausos ou alguns risos abafados. Não conheço ninguém; não sei o nome de ninguém. Só sei que são vitoriosos.
São vitoriosos. Conseguem, dia após dia, vencer em si próprios àquela vontade doentia de sucumbir ao primeiro gole. E trocam entre eles força, coragem, fé, certeza no futuro. Me emociona, a cada domingo, vê-los nesses encontros para mim festivos. Eles deixaram para trás uma rotina de angústia e sofrimento, e decidiram apostar na vida. Não é uma decisão fácil, afinal a dependência do álcool é uma doença, cuja cura está unicamente nas mãos do paciente.
É dor, privação, insegurança, depressão, e também força de vontade, amor próprio e pela família, fome de viver, tudo misturado. Vejo em cada uma daquelas pessoas um pouco de tudo isso. A disposição corajosa de mudar de rumo, crer em si e renascer das cinzas, como uma Fênix. Na edição passada falei sobre isso aqui: mudança. Vencer vícios ou situações adversas é se permitir mudar, acreditar que existe uma mola no fundo do poço que vai te impulsionar pra fora, desde que se queira, mesmo, sair lá de dentro.
Talvez pelo exercício da escrita me acostumei a observar pessoas e tenho visto alguns exemplos de vitória por aí. Tenho um amigo que se curou do vício em drogas e hoje é professor universitário. É tão vitorioso que sequer guarda nas expressões do rosto as marcas dos dias de sofrimento. Alegre, com o olhar iluminado, sempre otimista, é espirituoso e a todo momento tem algo de bom pra dizer, sem ser piegas. É um cara feliz e pronto.
O mais interessante em tudo isso é que é difícil falar de vitória sem falar das perdas ou dores pelas quais se passa, pelas quais se é tentado à escolha pela vida ou pela morte. A vitória pessoal está intimamente ligada a um infortúnio qualquer, angústia, aflição. Não falo de vencer na profissão, ter sucesso na carreira e ganhar muito dinheiro. Conheço gente rica que nunca mais soube o que é alegria depois da morte de um filho. E superar uma perda dessa importância não é para qualquer um. Muitas mães passam o resto dos seus dias sem sentido depois de enterrar um filho.
Superação pessoal. Vitória individual sobre si mesmo. O cantor Roberto Carlos levou a vida inteira para admitir que era doente, que sofria de Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC e, finalmente, decidiu se tratar como convinha. Entregou-se a um psiquiatra e se tratou, vencendo em si a compulsão, as manias. Já o ator Michael Douglas, dizem, procurou tratamento para outro tipo de compulsão, a sexual. Era doente por sexo e só conseguiu recuperar o controle após sessões de análise e alguns remedinhos psiquiátricos para frear o desejo ardente. Por favor, leitor, não viaje. É doença mesmo, viu?
Uma coisa aprendi observando as vidas dessas pessoas e de outras tantas que não caberiam aqui. O importante é ser feliz e para isso é preciso liberdade. E qualquer sentimento que nos prenda à dor impede a vida em sua plenitude. Da mesma forma que não se pode dar asas ao prazer de viver, preso ao vício, seja de drogas, álcool, sexo. Claro que não estamos nessa vida a passeio, senão tudo seria muito mais simples. Falo na liberdade do ser completo, feliz por si, de alma leve, “espinha ereta e coração tranqüilo”. Livre. Vitorioso.
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sexta-feira, 9 de maio de 2008
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