quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Beija-Vida

Acordo de manhã, abro a janela e ela está lá, no fio. Não fica muitos metros longe. Está sempre de olho, vigiando. Vai até a árvore em frente, se alimenta do néctar da flor de pata-de-vaca, e volta. Estou falando e uma zelosa mãe, moradora temporária do meu Ipê, na porta da minha casa: uma beija-flor que cuidadosamente construiu seu ninho para procriar ali, diante dos meus olhos. Os filhotes, nascidos na terceira semana de agosto foram uma agradável surpresa nestes dias secos, áridos.

Minha árvore ainda é jovem. Um Ipê de apenas seis anos, pouco mais de três metros de altura. Sua floração, na primavera, ainda é frágil, mas suas poucas flores brancas já nos dão uma rápida demonstração do que ela será capaz de produzir daqui a alguns anos. Sou apaixonada pelo meu Ipê, cuja muda ganhei de um grande amigo. Por isso observo-o com freqüência. Suas folhas, seus galhos, seu crescimento. E foi num desses momentos de observação que descobri algo novo, estranho, perfeitamente encaixado entre três galhos. Achei aquilo esquisito, porém não imaginei que pudesse ser um ninho, não ali, naquela posição, tão desprotegido.

Dias depois lá estava ela, a mãe beija-flor, sentadinha, chocando. E eu, chocada com aquela visão. Um ninho bem pequeno, com um pássaro delicado aguardando a chegada dos seus filhotes. Beija-flores são visitantes muito comuns na minha casa. São atraídos pelas minhas plantas, sempre em floração, mas como são aves muito ariscas, é raro ver um ninho e mais raro ainda é poder acompanhar sua reprodução. E por conta dessa grata surpresa, claro, fui pesquisar para saber um pouco mais sobre isso.

Menor pássaro do mundo, o beija-flor é muito independente. É a fêmea a única responsável por sua cria. Constrói o ninho, choca os ovos e protege os filhotes. Apesar de pequeno e de parecer frágil, o abrigo é muito seguro; resiste ao vento, às chuvas e ao crescimento dos filhotes. Normalmente é construído com grama, folhas, flores, pétalas e musgo, e fixado com o fio viscoso da teia de aranha, que o deixa bem firme. Geralmente, os beija-flores botam apenas dois ovos. Seus ninhos não comportam mais, e a fêmea não consegue alimentar mais que dois filhotes.
Esse ser aparentemente frágil é capaz de se adaptar a qualquer ambiente e não exige muito para sobreviver: constrói seu ninho na cidade, em qualquer tipo de árvore, não tem medo de gente nem de ruídos, e precisa de flores para se alimentar. Simples assim.

Tão simples quanto a decisão de derrubar uma árvore, seja qual for o motivo, sem pensar no quanto de vida se interrompe com atitude tão drástica. O crescimento acelerado da população e a destruição de muitas espécies de plantas nativas constituem um grave problema para os beija-flores, por faltar-lhes locais apropriados para construir seus ninhos ou para encontrar alimento adequado. Li sobre uma fêmea que ergueu seu ninho em cima de um bocal de lâmpada, na sala de uma casa. Os moradores quebraram o vidro da janela para que a beija-flor saísse e voltasse à vontade.

Aqui na minha casa tive o cuidado de manter a reprodução da beija-flor em silêncio. Até mesmo a curiosidade pode prejudicar a procriação. Adultos e crianças gostam de chegar perto, falar alto, tocar, remexer. Observo sempre que posso, porém de longe, só para ver como vai o desenvolvimento dos filhotes. Segundo minha pesquisa, com duas semanas de idade, a maioria dos beija-flores já tem olhos brilhantes e atentos, e o corpo coberto de penas. Às vezes, se levantam no ninho e batem as asas. Com três ou quatro semanas, o pequeno pássaro já está pronto para deixar o ninho e começa a dominar o vôo com rapidez e facilidade.

Para eles um momento feliz, quando se sentem seguros e podem ganhar a liberdade. Para nós, com os pés plantados no chão, fica aquele sentimento de frio na barriga ao ver filho indo embora. A gente se acostuma e chega até a dizer “meus filhotinhos”. Mas não. São filhos da natureza, que apenas encontraram na minha árvore um local ideal para se reproduzir. Cabe-me respeitar, favorecer, preservar, não derrubar, silenciar, admirar. E desejar que eles voltem outras vezes. Faz bem para a minha saúde e para a energia da minha casa.
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