Mudar: Trocar de aspecto, natureza; trocar uma coisa por outra; variar; remover de um lugar; deslocar-se de uma casa para outra; transformar-se. Esses são alguns dos significados de uma palavrinha que assombra a cabeça de muita gente. Mudar ou mudança. Para uns é novidade; para outros é dor. Há pessoas que vêem nessa palavra um novo sentido para a vida, novos rumos, novos ares. Outras sentem ameaça, têm medo, não querem sair da zona de conforto.
Mudar é o próprio sentido da vida. Mudamos a cada segundo, desde que nascemos. Trocamos de células, de tecidos, desenvolvemos nossas capacidades motoras, engatinhamos, andamos. Aprendemos a falar. De gugu-dadá avançamos para papai, mamãe, angu e daí para a frente não paramos mais de absorver as mudanças que a vida nos apresenta dia após dia.
Das transformações naturais, passamos a ser, digamos, empurrados às mudanças propostas e impostas, nas mais diversas situações, sejam elas familiares, profissionais ou de qualquer tipo de relacionamento. Um casamento, um filho, outro filho, o casamento que acaba, viver sozinho, outro casamento. Um emprego novo, ser demitido, um cargo novo, mudanças na estrutura organizacional da empresa, uma nova equipe, um novo chefe, um novo subordinado. Entrar para a faculdade, formar-se, fazer uma pós-graduação, mestrado, doutorado. Tudo na vida propõe mudança, quando tomamos qualquer decisão ou quando a vida decide por nós. E podemos optar por mergulhar nesta aventura ou ficar parado, cristalizado de medo, esperando ser engolido pelo destino. Piração?
Parece que sim, mas a própria psicologia nos explica que toda mudança pode significar algo como uma morte. Porque é uma fase, um tempo que definitivamente não volta mais. O fim de uma vida, para começo de outra. Acabou, perdeu, e perda é morte, e quem não tem medo da morte? É daí que surgem sentimentos próximos ao pânico que chegam a levar muita gente aos consultórios psiquiátricos para longos tratamentos químicos, que vão ajudar o cérebro a concatenar as idéias, de acordo com as novas perspectivas.
É só olhar para dentro ou para o lado e nos deparamos com essa realidade crua, ou cruel. A vida nos coloca diante de situações de mudanças das mais variadas formas e isso é sempre positivo, claro. Mas, muitas vezes somos forçados a mudar a partir da perda de um ente, de um casamento desfeito, o que costuma ser muito doloroso. A vida nos aperta, nos coloca contra a parede, como se dissesse: “É sua chance de se tornar uma pessoa melhor”. E agora, aceito ou não? Em todo caso é uma grande oportunidade de abraçar o novo, seja qual for o jeito que se apresente, e sorver até a última gota.
Por outro lado, volto à questão lá de cima, o medo de sair da zona de conforto, da comodidade, da fantasia criada para escamotear inseguranças, incapacidades e incompetências. “Enquanto estou aqui, debaixo do tapete, ninguém vê a verdadeira sujeira que eu sou”. Quem não conhece alguém assim? Cá pra nós, aqui no pé do ouvido, se já temos problemas demais a enfrentar com nossas próprias mudanças, o que acha de alguém assim ao seu lado? Ninguém merece!
O 'transformar-se' não é nada fácil pra ninguém, ao contrário. A reforma íntima, a constante mudança interior que nos abala pra frente é um processo natural, mas nos mobiliza a pensar, a exercitar o raciocínio, a inteligência. Nos coloca frente a frente com a ética, a moral, a decência e o respeito próprios e com os outros.
Transformar-se significa fazer um esforço além do impossível para não ficar para trás, parado, escondido na acomodação, enquanto a vida corre e as outras pessoas lá fora evoluem. É um movimento difícil, requer desprendimento e não é qualquer um hoje em dia que está a fim de se desprender seja lá do que for. Mas, acredito que vale a pena, senão, não estaria aqui, escrevendo, crendo, fazendo planos, esperando por um futuro que não existiria sem mudanças.
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sexta-feira, 18 de abril de 2008
domingo, 6 de abril de 2008
Santa Teresa por Ele e Ela
De Simone Silveira Kaplan
Santa Teresa por Ele
Homem não chora. Quem chora é ela, Santa Teresa. Só ela. Eu vi. Eu, perdido entre foliões. O bloco das Carmelitas passando. A Ladeira derramou um rio de lágrimas minutos antes de Anita chegar. Tanta chuva, tanta dor.
Eu me arrumei todo. Olha que não sou de vaidade. Pensei em colocar a minha melhor roupa e acabei mudando de idéia. Queria encontrá-la com a cara limpa. Não usei brilhantina no cabelo nem minha camisa branca de linho. Aparei de leve a barba. Me enchi de esperança.
O que fiz foi esvaziar a mente. Desmarquei a birita e o jogo de cartas com a turma do Bar do Zé, despachei a empregada e dei-lhe uma gorjeta generosa. Desci e fui até a esquina. Comprei um maço de cigarros. De volta à casa, dispus o pacote e o coloquei na mesa ao lado da cama. Antes de tomar um banho, telefonei para o taxi e pedi que me pegasse às 19:00 horas. “Não posso me atrasar, informe ao motorista,” eu disse à telefonista da agência de taxi.
“Anita não é flor que se cheire”, pensei ao passar pelo o Aterro do Flamengo e ao avistar escassas pétalas de um rosa pálido nos galhos das árvores. Seguimos. As ruas estreitas e as curvas do morro surgiam aos poucos. Aquilo tudo era uma visão familiar. O taxi parou. Fui generoso novamente na segunda gorjeta do dia.
Pisei em Santa Teresa e as primeiras gotas de chuva, quase invisíveis, molharam a linha do bonde, os paralelepípedos disformes, as buganvílias agarradas no muro. Parece que foi ontem quando fugimos da multidão e das serpentinas, para trocarmos beijos extasiados e juras de amor.
19:20, ainda tenho dez minutos. Que fazer com estes dez minutos? Acendi um cigarro. Deixei o tempo passar.
Minha alegria desfaleceu-se aos poucos. O porvir foi assim, eu conto: dose de cachaça descendo quente pela garganta, o pandeiro tocando desafinado, "você manhã de tudo meu, você que cedo entardeceu, Você de quem a vida eu sou, E sem mais eu serei... Você um beijo bom de sal, você de cada tarde vã, Virá sorrindo, de manhã..."
No “Boteco do Mineiro” o músico passou o chapéu. Desta vez fui miserável. Paguei só a conta e economizei na gorjeta. Caminhei rua abaixo por entre os trilhos e confetes. Matutei com os meus botões, “ô mulher ingrata. Vá pro diabo que te carregue.”
Santa Teresa por Ela
Eu chorei . Derramei um rio de lágrimas. Ele não viu. Também não compreenderia.
Eu me aprontei toda e acabei mudando de idéia. Queria encontrá-lo como realmente sou. Não prendi meus cabelos, não usei batom vermelho. Não vesti aquela fantasia de cigana que ele gostava tanto. Só me preenchi de coragem.
O que fiz foi esvaziar a mente. Desmarquei a manicure das 11:00 horas e liberei a empregada. Fui até a esquina. Comprei um ramalhete de dálias alaranjadas. De volta à casa, dispus uma por uma no vaso e o coloquei na mesa ao lado da cama. Antes de tomar um banho, telefonei para o taxi e pedi que me pegasse às 19:00 horas. “Não posso me atrasar, por favor informe ao motorista,” eu disse à telefonista da agência.
“Osmar é traiçoeiro”, pensei ao passar pelo o Aterro do Flamengo e ao avistar árvores crescendo em solo frágil. Seguimos. As ruas estreitas e as curvas do morro surgiam aos poucos. Aquilo tudo era uma visão familiar. O taxi parou. Paguei o que devia. Desci.
Pisei em Santa Teresa e as primeiras gotas de chuva, quase invisíveis, molharam a linha do bonde, os paralelepípedos disformes, as buganvílias agarradas no muro.
19:10. ainda tenho vinte minutos. Quis acender um cigarro mas não tinha fósforo. Levantei-me e fui embora.
Meu choro ninguém viu. O porvir foi assim, eu conto: Sentei-me no meio-fio, tirei um livro de Freud de dentro da bolsa. Senti-me estúpida lendo Freud em plena terça-feira de carnaval. O abri em uma página qualquer. Li: Quando amam não desejam; e quando desejam, não podem amar. (Cap. IV, II,2).
“Meses sem notícias e agora quer me encontrar? Esquece!”, pensei. Desci a ladeira caminhando com passos tortos por entre os trilhos e confetes. “Todo caso de amor fulminante, mais cedo ou mais tarde passa. Dói mais passa”, suspirei aliviada.
Cinzas, só as da quarta-feira.
Santa Teresa por Ele
Homem não chora. Quem chora é ela, Santa Teresa. Só ela. Eu vi. Eu, perdido entre foliões. O bloco das Carmelitas passando. A Ladeira derramou um rio de lágrimas minutos antes de Anita chegar. Tanta chuva, tanta dor.
Eu me arrumei todo. Olha que não sou de vaidade. Pensei em colocar a minha melhor roupa e acabei mudando de idéia. Queria encontrá-la com a cara limpa. Não usei brilhantina no cabelo nem minha camisa branca de linho. Aparei de leve a barba. Me enchi de esperança.
O que fiz foi esvaziar a mente. Desmarquei a birita e o jogo de cartas com a turma do Bar do Zé, despachei a empregada e dei-lhe uma gorjeta generosa. Desci e fui até a esquina. Comprei um maço de cigarros. De volta à casa, dispus o pacote e o coloquei na mesa ao lado da cama. Antes de tomar um banho, telefonei para o taxi e pedi que me pegasse às 19:00 horas. “Não posso me atrasar, informe ao motorista,” eu disse à telefonista da agência de taxi.
“Anita não é flor que se cheire”, pensei ao passar pelo o Aterro do Flamengo e ao avistar escassas pétalas de um rosa pálido nos galhos das árvores. Seguimos. As ruas estreitas e as curvas do morro surgiam aos poucos. Aquilo tudo era uma visão familiar. O taxi parou. Fui generoso novamente na segunda gorjeta do dia.
Pisei em Santa Teresa e as primeiras gotas de chuva, quase invisíveis, molharam a linha do bonde, os paralelepípedos disformes, as buganvílias agarradas no muro. Parece que foi ontem quando fugimos da multidão e das serpentinas, para trocarmos beijos extasiados e juras de amor.
19:20, ainda tenho dez minutos. Que fazer com estes dez minutos? Acendi um cigarro. Deixei o tempo passar.
Minha alegria desfaleceu-se aos poucos. O porvir foi assim, eu conto: dose de cachaça descendo quente pela garganta, o pandeiro tocando desafinado, "você manhã de tudo meu, você que cedo entardeceu, Você de quem a vida eu sou, E sem mais eu serei... Você um beijo bom de sal, você de cada tarde vã, Virá sorrindo, de manhã..."
No “Boteco do Mineiro” o músico passou o chapéu. Desta vez fui miserável. Paguei só a conta e economizei na gorjeta. Caminhei rua abaixo por entre os trilhos e confetes. Matutei com os meus botões, “ô mulher ingrata. Vá pro diabo que te carregue.”
Santa Teresa por Ela
Eu chorei . Derramei um rio de lágrimas. Ele não viu. Também não compreenderia.
Eu me aprontei toda e acabei mudando de idéia. Queria encontrá-lo como realmente sou. Não prendi meus cabelos, não usei batom vermelho. Não vesti aquela fantasia de cigana que ele gostava tanto. Só me preenchi de coragem.
O que fiz foi esvaziar a mente. Desmarquei a manicure das 11:00 horas e liberei a empregada. Fui até a esquina. Comprei um ramalhete de dálias alaranjadas. De volta à casa, dispus uma por uma no vaso e o coloquei na mesa ao lado da cama. Antes de tomar um banho, telefonei para o taxi e pedi que me pegasse às 19:00 horas. “Não posso me atrasar, por favor informe ao motorista,” eu disse à telefonista da agência.
“Osmar é traiçoeiro”, pensei ao passar pelo o Aterro do Flamengo e ao avistar árvores crescendo em solo frágil. Seguimos. As ruas estreitas e as curvas do morro surgiam aos poucos. Aquilo tudo era uma visão familiar. O taxi parou. Paguei o que devia. Desci.
Pisei em Santa Teresa e as primeiras gotas de chuva, quase invisíveis, molharam a linha do bonde, os paralelepípedos disformes, as buganvílias agarradas no muro.
19:10. ainda tenho vinte minutos. Quis acender um cigarro mas não tinha fósforo. Levantei-me e fui embora.
Meu choro ninguém viu. O porvir foi assim, eu conto: Sentei-me no meio-fio, tirei um livro de Freud de dentro da bolsa. Senti-me estúpida lendo Freud em plena terça-feira de carnaval. O abri em uma página qualquer. Li: Quando amam não desejam; e quando desejam, não podem amar. (Cap. IV, II,2).
“Meses sem notícias e agora quer me encontrar? Esquece!”, pensei. Desci a ladeira caminhando com passos tortos por entre os trilhos e confetes. “Todo caso de amor fulminante, mais cedo ou mais tarde passa. Dói mais passa”, suspirei aliviada.
Cinzas, só as da quarta-feira.
sábado, 5 de abril de 2008
Universidade do Amor
Isso mesmo senhoras e senhores. Quem disse que uma vida repleta de bons casos de amor – esses derramados de deixar cabelo branco, o peito cheio e a gente mais livre – não equivale a uma formação maravilhosamente diversa, pra não usar outros termos pernósticos, e que dá sustança pra gente continuar a andar mais sagaz e elegante?
Foi conversando de manhã com umas amigas que eu percebi que as três tinham aprendido a tomar café da manhã com seus amores, os atuais ou passados. Débora me explica que o ex-namorado combinava os elementos como ninguém e defendia a refeição primeira do dia com ardor. Raquel lembra com romantismo do ritual do café, o pinga pinga do coador velhinho, a toalha com pontos geográficos e as canecas diferentes de cada dia do amor da vida, daqueles que vão mas não passam. Érica se emociona porque o esforço do amado no preparo de misto quente e suco de laranja veio na hora em que mais precisava, mudança de cidade, sem pouso e com as malas pelo chão, o tempo do café era o carinho necessário.
E pode ser a única que exista. Porque talvez desses tempos todos, nenhuma delas se lembra do aluguel atrasado ou do texto que entregou, publicou, dos clientes que ganhou ou do quanto a conta bancária ficou mais ou menos gorda. O café da manhã, simples assim. Se trocarmos café da manhã por emoção, dá no mesmo.
Sim, há lugares mais ou menos propensos para a universidade do amor. Há quem diga que em São Paulo não dá pra praticar com o fervor merecido. Mas tem o argumento de que é possível, com mais rapidez em cada crédito. Aulas no nove da esteira. Ao invés de um café da manhã inteiro, um cafezinho de balcão na friagem do Alto de Pinheiros, uma conversa de carona na doutor Arnaldo passando pelas floristas do cemitério, uma volta corrida na Benedito Calixto pra depois se empanturrar de torresmo no consulado mineiro. Como diz a Nara, que voltou reencarnada em Fernanda takai, com açúcar e com afeto ta valendo.
Foi conversando de manhã com umas amigas que eu percebi que as três tinham aprendido a tomar café da manhã com seus amores, os atuais ou passados. Débora me explica que o ex-namorado combinava os elementos como ninguém e defendia a refeição primeira do dia com ardor. Raquel lembra com romantismo do ritual do café, o pinga pinga do coador velhinho, a toalha com pontos geográficos e as canecas diferentes de cada dia do amor da vida, daqueles que vão mas não passam. Érica se emociona porque o esforço do amado no preparo de misto quente e suco de laranja veio na hora em que mais precisava, mudança de cidade, sem pouso e com as malas pelo chão, o tempo do café era o carinho necessário.
E pode ser a única que exista. Porque talvez desses tempos todos, nenhuma delas se lembra do aluguel atrasado ou do texto que entregou, publicou, dos clientes que ganhou ou do quanto a conta bancária ficou mais ou menos gorda. O café da manhã, simples assim. Se trocarmos café da manhã por emoção, dá no mesmo.
Sim, há lugares mais ou menos propensos para a universidade do amor. Há quem diga que em São Paulo não dá pra praticar com o fervor merecido. Mas tem o argumento de que é possível, com mais rapidez em cada crédito. Aulas no nove da esteira. Ao invés de um café da manhã inteiro, um cafezinho de balcão na friagem do Alto de Pinheiros, uma conversa de carona na doutor Arnaldo passando pelas floristas do cemitério, uma volta corrida na Benedito Calixto pra depois se empanturrar de torresmo no consulado mineiro. Como diz a Nara, que voltou reencarnada em Fernanda takai, com açúcar e com afeto ta valendo.
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