Tudo bem. A gente já sabe que uma infância calada, isolada, interiorizada e, antes que eu me esqueça, habilmente disfarçada de inteligência arrogante — estratégia pueril de autodefesa contra a exibida burrice malvada, sempre pronta para uma provocação ou outra —, corre o sério risco de acabar muito mal. E geralmente acaba. Vide este Robert Mugabe, por exemplo: por trás da eficaz retórica assassina dele, desvendam os analistas a sombra do eterno menino agarrado aos livros, filhinho da mamãe carente e isolado em fantasias de grandeza que preferia ficar sozinho a brincar com os outros — "Morei muito dentro da minha mente. Gostava de falar sozinho, ler em voz alta para mim mesmo." —, ui, arrepio. Já me envolvi em comparações melhores, gente, juro. Não me parece uma boa hora, e é por isso que evito qualquer referência comprometedora àquele evento distante — e nem por isso menos marcante —, em que me escondi no armário do quarto pra escapar a mais uma bem-intencionada tentativa de mamãe, que nunca desistiu de me transformar num "ser mais social". Fracassou, coitada. Quanto mais o tempo passa, mais bicho-do-mato eu fico. E em contrapartida, claro, mais carente do que nunca de reconhecimento, eloqüência e celebridade, ui, vade retro, coisa-ruim.
Pior ainda é pretender aproveitar esta crônica triste da inclemência humana pra me alegrar com você, leitor fiel — que não se incomoda nunca com esta minha tendência nata para o humor mais negro que as mais negras intenções de qualquer ditador africano —, e rir um bocado com os novos sinais de uma vaga promessa de notoriedade, é sério, gente, descobri por acaso no google (sim, eu goglo meu nome no google de vez em quando, mesmo soando meio assim, gluglu, perua): meu incrível best-seller e praticamente esgotado "Hierosgamos" (modéstia à parte, o livro é bom mesmo, viu, gente?) está à venda, por módicos vinte reais, na Estante Virtual — corram, fãs —, em "excelente estado de conservação".
Outras coisas bacanas que descobri na pesquisa, vamos combinar, não conto nem sob tortura: não sou babaca de alimentar este mito crescente da minha fadada arrogância intelectual, imaginem. Só alerto vocês para o fato inescapável de que vou caminhando para a fama assim, com constância e trama, como venho vivendo esta vida: entrando sempre pela porta dos fundos e comendo pelas beiradas. Pois é. Não me estranhem se dentro em breve um ou outro escritor concorrente, disputando a tapa aquele espaço cada vez mais raro — e caro — em estante real de livraria, apareça morto sem explicação possível, vocês sabem: liquidado sem nenhuma piedade por um invejoso veneno da crítica, eu é que não fui, juro que não: "Apesar dos percalços da infância, a pequena e emburrada menina de poucos amigos" já desistiu faz tempo de se tornar a rainha do castelo, viu? Quanto aos que falam tão bem de mim pelas costas, peço por favor, para o bem de todos e a felicidade geral de minhas futuras vítimas, que o façam em alto e público bom som.
Faltou à tradução de O Globo acrescentar o final do artigo original de Heidi Holland: "Mas a perseverança de Robert foi também seu jeito de lidar com um universo que ele acreditava estar sempre contra ele. Apesar de períodos de contentamento, ele estava destinado a ser consumido pela desconfiança pelo resto da vida."
Pobre menino(a) poderoso(a).
quarta-feira, 25 de junho de 2008
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