segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

(des)Encanto

É bastante triste o conto de ano novo publicado pela Bia. Eu entendo. A única resposta possível de uma mente que pensa e cria — nesta época do ano em que as impositivas regras emocionais vêm de enxurrada, pra te empurrar pro ruído geral estabelecido — é o desconforto. Desencanto. Desilusão. Mas meu vazio neste trinta e um eu confesso a vocês: é de outra natureza.
Meu vazio é o de quem acredita já ter feito o seu melhor. Queria ter um amor? Já tem um. Queria um orgasmo incrível a dois? Já teve mais de um. Queria escrever um bom livro? Já escreveu um. Não vislumbro de jeito nenhum a chance de encontrar um amor mais forte, mais ousado, mais apaixonado. Meu salto quântico tão ansiado? Já dei. Um livro mais bem escrito, sinceramente, é até possível. Mas provável, não é. Depois daquele tema intensamente vivido, vívido e colorido, qualquer perspectiva soa meio sem graça, lista de palavras ordenadas com gosto gasto de rotina. Já não espero mais. Já não espero nada mais.
Tudo o que eu queria agora era poder relaxar no bojo nem sempre suave deste encontro sagrado. Eu desejava ser capaz de amar. E fui. Sou. Por outro lado fui forçada a aceitar que aquela intensidade toda dá lugar a um fogo morno, do tipo que aquece mas sem chamuscar: um prato no ponto. No ponto e na mesa do almoço, nunca na ceia louca do imprevisto, varando alcoólica a madrugada e resultando sempre em dolorosa ressaca.
O sono é tranqüilo e já sem grandes sobressaltos, e isso é tudo de bom. Seria. Não fosse o vício eterno da intensidade, o gelo do improvável percorrendo a espinha num breve arrepio. O melhor de um amor talvez seja ansiar por ele, pela roleta russa que, claro, acaba no tiro fatal. Bum. Derrubada pelo grande amor.
Por outro lado às vezes eu penso que se de todos os outros lados eu estivesse bem, sem a dor da mãe doente e com a matéria assegurada, o teto garantido, não sei, gente. Eu estaria muito bem. Não ia querer mais nada e iria com gosto pro mato criar galinha, capinar erva-daninha. E já nem lembraria do desconforto, do desencanto, da desilusão. E nem de desejos de ano novo.
O que me mata não é falta de encanto; é falta de dinheiro mesmo, ou melhor, da segurança vitalícia de um bom dinheiro, coisa que francamente, até tem preço, mas valor que é bom não tem nenhum. Valor mesmo tem o amor, e o orgulho que a gente sente de um trabalho bem-feito. O resto é a ilusão social em que estamos todos mergulhados e que só dá um refresco na procura de um amor, quem sabe de um trabalho bem-feito. E de uma casa maior, de um computador melhor, de um celular mais moderno, de um carro novo, de uma viagem por ano, um vestido novo , um sapato novo, um filme inédito na tevê, uma audiência cada vez maior, um prêmio literário, um filho bem-casado e arranjado na vida, saúde, boa-forma, eterna juventude, uau. Paz no mundo. Segurança na rua. No Rio.
Não admira o nosso eterno descontentamento.

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